Janyne Godoy
Estudos do Núcleo de Pesquisa da Violência (NEV) da
Universidade de São Paulo (USP) aponta que a exposição à violência durante a
infância pode levar consequências para a vida adulta. A vítima, enquanto
criança, tem mais chances de adotar a violência como principal mecanismo de
solução de conflitos.
“A criança entende que a violência é uma opção
legítima e vai usá-la quando tiver um conflito com colegas da escola, por
exemplo. Mas, ao agredir, ela também pode sofrer agressão e se tornar vítima. E
isso cresce de forma exponencial ao longo da vida”, fala Nancy Cardia,
vice-coordenadora do NEV.
Os pesquisadores entrevistaram 4 mil pessoas
maiores de 16 anos de idade, moradoras de 11 capitais brasileiras (São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus,
Porto Velho, Fortaleza e Goiânia). Os questionários foram aplicados pelo
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em 2010.
De acordo com os resultados, mais de 70% dos
entrevistados apanharam na infância, sendo que 20% do total era agredido uma
vez por semana ou mais.
O estudo apontou ainda o aumento das chances de a
pessoa reproduzir a violência sofrida no passado contra os próprios filhos como
método de educação. “Isso tem a ver com o tipo de aprendizagem social. Você
aprende que educar por meio da agressão física é um instrumento legítimo de
educação”, disse Renato Alves, pesquisador do NEV. Assim, fecha-se um “um
círculo perverso do uso da força física”, como definem os pesquisadores.
A pesquisa apontou ainda que 70% dos entrevistados
apanharam quando criança, desses 20% todos os dias. Esse mesmo grupo admitiu
que bateria nos filhos.
Outro dado alarmante da pesquisa são os objetos
usados para bater, 73,5% disseram apanhar com frequência com vara; 56,5% com
chinelo; 42,3% palmadas e 33,4% pedaços de pau ou objetos duros.
Apesar de ser elevado o número de pessoas que
sofreram agressão enquanto crianças, a pesquisa mostra uma redução nesse tipo
de castigo. Há 10 anos, 80% dos entrevistados afirmaram ter apanhado, já essa
nova pesquisa desenvolvida pela universidade aponta que 70% afirmaram ter
sofrido agressões físicas como forma de castigo.
Para a psicóloga Cristiane Sargaço Teixeira, a
pesquisa aponta a realidade. “O que acontece é que a criança se identifica
emocionalmente com os pais.
A referência da criança é o adulto responsável por
ela, ou seja, se ela recebe a referência de agressão física ou psicológica em
seu processo de crescimento e desenvolvimento emocional, é essa referência que será
internalizada por ela e que mais tarde ela acionará para lidar com o mundo a
sua volta”, explica.
Para a psicóloga, uma forma de quebrar esse ciclo
deve ser na conscientização de que ‘colheremos o que plantarmos’: “Devemos
reformular a forma de educar, não estou dizendo que não devemos colocar
limites, ir para o oposto e deixar as crianças ‘sem educação’ e sem
referências. Mas será que a única forma de ensinar tem que ser na pancada?”,
questiona.
Para ela, isso se reflete nas guerras, violência e
preconceitos com as diferenças. “Tudo isso começou em algum lugar. É preciso um
trabalho de ‘educar’ e conscientizar os pais quanto ao uso da violência dentro
de casa”, argumenta.
Ela salienta que claro que isso nem sempre é
possível, pois muitos pais têm limites quanto a isso devido também à forma como
foram educados: “É o tal ‘círculo vicioso’, nesses casos a melhor coisa é
encaminhar esses pais para um trabalho terapêutico com orientação de pais,
psicoterapia, enfim tratamento para esses pais”, informa.
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