Criança e adolescente são os
maiores alvos da violência sexual
Os números não retratam a realidade, apesar da
ampliação da rede de proteção. Mas as estatísticas disponíveis, mesmo que
precárias, revelam que crianças e adolescentes são os maiores alvo de violência
sexual, seja na condição de vítimas de abuso (qualquer ato praticado sem o
consentimento da vítima) e até da exploração sexual (quando praticada com fins
comerciais – há casos em que as crianças se tornam armadilhas tendo pirulitos
como oferta para a prática sexual).
A Maternidade Nossa Senhora de Lourdes se tornou a principal porta de
entrada para acolher e cuidar de vítimas da violência sexual no Estado de
Sergipe e apresenta um dado assustador. Para se ter ideia, dos 432 casos de
violência sexual atendidos naquela maternidade, 86% das vítimas são crianças e adolescentes.
No ano passado, a
maternidade atendeu a 79 vítimas de violência sexual, entre as quais 33 com
faixa etária com até dez anos de idade e 46 com idade entre 11 a 17 anos. E não
apenas as vítimas são do sexo feminino. Entre os casos, a maternidade prestou
atendimento a 13 meninos vítimas deste tipo de violência.
Os casos registrados pela maternidade ocorrem na capital e em 29 cidades
do interior do Estado, com concentração da maioria dos casos (24) em Aracaju. A
grande maioria dos agressores é identificada e os acusados foram presos,
segundo informações da enfermeira Maria da Glória Barros, que integra a equipe
multidisciplinar que atende a vítimas de violência sexual na Maternidade Nossa
Senhora de Lourdes.
Os agressores geralmente são pessoas bem próximas às vítimas, conforme observa a promotora Mírian Tereza Cardoso Machado, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância do Ministério Público Estadual. Há também, segundo a promotora, grande incidência de idosos pensionistas que pagam à família da vítima para manter crianças e adolescentes sob regime de escravidão sexual, tudo com o consentimento das mães, que vêem nos idosos a fonte de renda.
Os agressores geralmente são pessoas bem próximas às vítimas, conforme observa a promotora Mírian Tereza Cardoso Machado, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância do Ministério Público Estadual. Há também, segundo a promotora, grande incidência de idosos pensionistas que pagam à família da vítima para manter crianças e adolescentes sob regime de escravidão sexual, tudo com o consentimento das mães, que vêem nos idosos a fonte de renda.
Na Delegacia de
Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), tramitam somente este ano 13
inquéritos policiais instaurados para investigar abuso e violência sexual
cometidos por adultos contra crianças e adolescentes.
SEM
PROTEÇÃO
Em setembro do ano passado, a Polícia Civil prendeu seis
homens acusados de envolvimento com a exploração sexual praticada contra cerca
de cinco crianças, todas menores de 11 anos de idade. Os acusados foram
identificados e continuam presos: Antônio Carlos Rosendo da Silva, conhecido
como ‘Gordo’, um aposentado, de 53 anos, já foi preso por tentativa de
homicídio contra o coronel Prudente; Wellington dos Santos, de 50 anos; José
Dos Santos, de 56 anos; o carpinteiro Albino de Santana Silva, de 45 anos; José
Fernando Costa Marcos, de 61 anos, e o pescador Pedro Francisco dos Santos, de
42 anos, proprietário de uma peixaria e de um lava jato.
E as vítimas? Segundo levantamento da delegada Lara
Schuster, titular da Delegacia de Atendimento a Criança e Adolescente Vítima,
há informações que aquelas crianças voltaram aos semáforos na Coroa do Meio e
há suspeita de que elas permanecem vítimas da exploração sexual devido à
pobreza das famílias, que encontram na exploração sexual das crianças a fonte
de renda, numa clara demonstração da ausência do Estado e da deficiência da
rede de proteção. “A situação é muito complexa”, conceitua a delegada. “A questão
social está intimamente ligada ao combate à violência sexual”, diz. Ela garante
que a polícia voltará a novas investigações para identificar novos homens que
exploram aquelas crianças.
Para a psicóloga Ana Karine Braga, a rede de proteção não
funciona por falta de projetos educacionais que possam promover renda às
famílias. “Falta fazer o acompanhamento aos pais, com a promoção de atividades
voltadas para a sustentabilidade da família”, ressalta a psicóloga.
ACOLHIMENTO
A Rede de Proteção falha, na ótica da assistente social
Cláudia Cardoso, gerente de proteção social especial da Secretaria de Estado de
Inclusão, Desenvolvimento e Assistência Social (Seides), devido às
subnotificações. Muitas vezes, conforme explicou, há a prestação do
atendimento, mas o caso não é notificado. Deficiência que está sendo
corrigida com a implantação do Sistema de Informação para a Infância e
Adolescência (Sipia), que consiste em interligar a rede a partir dos
encaminhamentos e assistência às vítimas.
Há também a omissão da família, principalmente nas classes
de maior poder aquisitivo. A reportagem do Portal Infonet tem conhecimento de
pelo menos um caso em condomínio de luxo no qual o filho de uma faxineira,
adolescente com 16 anos, abusou sexualmente de uma criança de apenas dez anos,
relação sexual cometida dentro da piscina do condomínio. A vítima é um garoto
filho de um casal bem sucedido morador do condomínio. Mas este caso não chegou
ao conhecimento da rede de proteção.
Casos desta natureza não são investigados pela omissão da família, que
optam por encaminhar os filhos vítimas ao consultório médico da rede privada,
com acompanhamento do psicólogo particular. “As famílias de renda alta não
denunciam porque têm vergonha e constrangimento”, revela a psicóloga Ana Karine
Braga, especialista em educação infantil.
A Seides também é uma porta de entrada para acolhimento a vítimas. A Rede
de Proteção envolve várias Secretarias de Estado, mas uma das maiores portas de
acolhimento tem sido os 35 Centros de Referência Especializados da Assistência
Social (Creas) atuando em 32 municípios.
Em 2010, o número de atendimentos foi bem superior aos realizados em 2011.
Mas percebe-se que a maior incidência nos atendimentos estão relacionados a
abuso e exploração sexual, tendo crianças e adolescentes os maiores alvos. Em
2010, a Seides desenvolveu o trabalho em apenas 12 municípios e os Creas
atenderam a 316 casos de violência sexual, sendo que em 305 as vítimas são
crianças e adolescentes, o equivalente a 96,5% da totalidade das ocorrências.
Para a promotora Mírian Tereza Cardoso Machado, coordenadora do Centro de
Apoio Operacional da Infância do Ministério Público Estadual, está faltando
política pública para garantir os direitos da criança e do adolescente. Um dos
motivos para a violência sexual está, na ótica da promotora, na desestruturação
familiar. “Não podemos voltar à hierarquia de antigamente, em que a criança
obedecia por medo, mas é preciso que os pais estabeleçam limites aos filhos,
com disciplina e companheirismo”, comenta a promotora.
A psicóloga Ana Karine Braga orienta os pais a conversar com os filhos de
forma aberta sobre sexualidade, deixando-os bem orientado para que eles possam
criar defesa, mas rodeado de cuidados para não assustá-los. “Não podemos criar
filhos submissos, eles têm que aprender a reagir quando sentirem-se ameaçados”,
comenta a psicóloga.
ABRIGO
Para o delegado de polícia Marco Passos, titular da Delegacia
Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), a iniciativa da
criança e do adolescente em fugir de casa sempre está relacionada a abuso
sexual. E os abrigos seriam a última alternativa para amparar crianças e
adolescentes com vínculos familiares rompidos, na concepção da promotora Mírian
Tereza.
Dados da Seides revelam que, nos abrigos, pelo menos 17% daqueles que
vivem na capital, são vítimas de abuso ou violência sexual e 10% deste universo
no interior. Nos abrigos também acontecem casos de abuso sexual.
São crianças e adolescentes vítimas de adolescentes mais velhos. Na Delegacia
Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente tramitaram, no ano
passado, pelo menos quatro procedimentos de investigação relacionados a
violência sexual ocorridas em abrigos e em uma escola pública, que cuida de
crianças e adolescentes portadoras de doença mental, entre os nove
procedimentos instaurados no ano passado, que incluem abuso e exploração sexual
contra crianças e adolescentes.
Neste ano, foi registrado um caso de abuso sexual praticado por
adolescentes contra um adolescente na Casa do Menor São Miguel do Arcanjo.
Durante a noite três adolescentes abusaram de um adolescente do sexo masculino.
Os abrigos não são modelo ideal para amparar crianças e adolescentes vítimas da
degradação familiar, na ótica da promotora Mírian Tereza. “É necessário que os
municípios adotem um novo modelo de acolhimento”, comenta a promotora Tereza
Mírian, ao defender a ‘família acolhedora’ como um formato mais próximo do
ideal. “E todo acolhimento deve ser por um período breve, estourando por dois
anos, de forma que a criança e o adolescente voltem, com segurança, ao convívio
familiar”, enaltece a promotora.
Para a psicóloga Ane Karine, há verdadeira falta de segurança nos abrigos,
principalmente durante a noite. “Geralmente há apenas um segurança. Tem que haver
maior segurança, colocar mais pessoas trabalhando durante a noite”, sugere a
psicóloga. “Nos abrigos também é difícil detectar os casos porque a violência
geralmente é praticada por adolescentes mais velhos que dominam os mais novos”,
diz.
As denúncias de abuso
sexual podem ser feitas por telefone – O Disk 100 de Direitos Humanos – com
preservação do denunciante. O Disk 100 é um sistema nacional.
Por Cássia Santana
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