Garotos candidatos a jogadores se
inspiram em colegas que chegaram a grandes clubes e mantêm treinamentos mesmo
com o técnico detido
Caratinga – O caminho até chegar
a um grande clube do futebol brasileiro é longo, cheio de intermediários,
chantagens e aproveitadores. A pedofilia é uma dessas pedras. Um assunto
latente, acobertado, que na maioria dos casos atinge crianças que são arrimos
de família, vindos de cidades menores, longe da presença dos pais e entregues à
própria sorte nos grandes centros. Em Caratinga, a prisão do treinador de
futebol Maguila, que a polícia e o Ministério Público acusam de ter se
aproveitado da proximidade com os meninos para oferecê-los a uma rede de
pedófilos, foi um choque. O sonho de muitos garotos que continuam treinando nos
campinhos ao redor da cidade, porém, não se apagou.
O Campo dos
Rodoviários, no Bairro Santa Zita, periferia da cidade, beira o abandono. O
portão trancado com cadeado está arrombado, e os muros que cercam o local,
quebrados. O estado do gramado é deplorável e os gols nem sequer têm redes. As
condições precárias e a recente prisão do ex-treinador não foram empecilhos
para que Esteferson Azevedo, de 17 anos, e Rodrigues Paulo Figueiredo, de 20,
continuassem a jogar.
Tefão, como é
conhecido, e Rodrigues despertam no começo da manhã todos os dias. Tomam café,
amarram as chuteiras desgastadas e partem para o campinho, cumprindo à risca
todos os estágios do treinamento, mesmo sem professor. Se juntam a outros
meninos, como Luiz Fernando da Silva e Ivan dos Santos Alves, ambos de 17 anos,
se alongam sozinhos, correm e treinam finalização. Tefão é volante e
lateral-direito e já fez teste no CFZ, do Rio. Rodrigues, atacante, já tentou a
sorte no Bangu. Ambos sem sucesso.
“Eu acordo cedo,
venho para o campo, almoço, descanso e venho de novo. É a vida da gente”,
comenta Tefão. Rodrigues, por sua vez, lamenta a falta de oportunidade. “O mais
difícil é sair daqui sem ajuda. Chegar lá e estabilizar. Com o Maguila era mais
fácil, ele levava a gente, arrumava o clube, deixava no alojamento. Agora é
difícil fazer isso sozinho”, comentou o atacante. Os dois não gostam de falar
muito sobre o suposto envolvimento de Maguila com a pedofilia, mas enfatizam
que nunca tiveram problemas com o treinador.
REVELAÇÕES
Dois jogadores que hoje estão em clubes de elite foram
revelados por Maguila. Jones Carioca, de 23 anos, armador do Cruzeiro
emprestado ao Bahia, começou a carreira com o técnico até passar em um teste no
Bonsucesso, do Rio. Após ser uma das revelações do Campeonato Carioca, chegou à
Toca da Raposa em 2010, mas logo foi emprestado para Goiás e, sem seguida,
Bahia.
Outro atleta
descoberto por Maguila é o armador João Vítor, de 20 anos, do Flamengo, com
passagens pela Seleção Brasileira Sub-18. Vitinho foi levado ao Rio pelo
treinador em 2007, e aprovado em teste no Artsul, time que disputa a Segunda
Divisão do Carioca. Destaque nos campeonatos de base, chegou ao Flamengo em 2009
e já figurou entre os relacionados do grupo principal.
Tefão e Rodrigues
sabem que o caminho agora vai ser mais difícil, mas não temem. Além de treinar
com disciplina, fazem as vezes de empresários da própria carreira. “ Estamos
tentando com o conhecimento que a gente tem fora, com algumas pessoas que
conhecemos. Pegamos alguns telefones do Rio e ligamos pedindo uma chance. Sair
do interior é difícil, mas futebol é nossa vida”, pondera Rodrigues.
DRAMA HISTÓRICO
OLGA KORBUT
A ex-ginasta russa
Olga Korbut denunciou que ela e colegas eram vítimas frequentes de abusos
sexuais praticados pelos técnicos da delegação soviética. Dona de três medalhas
de ouro e uma de prata em Munique’1972, aos 17 anos, ela recebeu em seu quarto
a visita inesperada do técnico Renald Knysh, embriagado. “O que ocorreu depois
são recordações terríveis”, afirmou, ao revelar o caso no fim da década de
1980. Temendo represálias, na época não contou a ninguém e se aposentou após os
Jogos de Montreal’1976.
NADIA COMANECI
Sucessora de
Korbut, a romena Nadia Comaneci, a primeira a receber nota 10 de todos os
jurados em uma Olimpíada, em Montreal’1976, sofreu com o regime comunista. Aos
16 anos, tornou-se amante de Nicu, filho do ditador Nicolae Ceausescu, que a
chantageava, ameçando cortar-lhe o salário. Em 1989, ela fugiu, se refugiou nos
Estados Unidos, tornando público o abuso sofrido nas mãos da família do ditador.
EX-GOLEIRO DO
GALO
Ex-goleiro do
Atlético, Marcelo Marinho afirmou em 2005, quando jogava no Corinthians, que
sofreu assédio sexual de um integrante da comissão técnica no período em que
defendia a base do Vasco, aos 12 anos. O goleiro, que jogou no Galo em 2010,
não revelou o nome do suposto assediador, mas afirmou que ele foi demitido mas
saiu impune perante a Justiça.
BASE DO
CORINTHIANS
Em 2007, um
dirigente da categoria de base do Corinthians, que trabalhava no clube há 30
anos, foi acusado de pedofilia. Em entrevista, o armador Willian, hoje no
ucraniano Shahktar, afirmou que “todo mundo sabia o que acontecia lá (no sítio
do diretor)”. Ele alegou que nunca foi convidado “e, mesmo que fosse, não iria,
pois sabia que alguma coisa de ruim poderia acontecer.”
JOANNA MARANHÃO
Finalista olímpica
dos 400m medley em Atenas’2004, Joanna Maranhão tinha 9 anos em 1996, quando
afirma ter sofrido abusos frequentes do treinador, no Recife. Em 2009, aos 20
anos, tornou o caso público, mas devido ao tempo decorrido foi impossível
recolher provas suficientes. Joanna abraçou a causa e hoje é uma das principais
militantes do país no combate à pedofilia.
BASE DO
FLAMENGO
Em fevereiro de
2011, o Flamengo afastou um alto funcionário do clube acusado de pedofilia. Em
denúncia, uma associada afirmou ter visto um dirigente acariciando
ostensivamente um menino de cerca de 10 anos perto da sede da Gávea. A criança
teria recebido R$ 100 do suposto abusador. Em seguida, outros casos envolvendo
o diretor vieram à tona.
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