No
Brasil, esse é um tema considerado tabu e "restrito para adultos";
por isso, poucas escolas adotam um programa específico para tratar questões
como abuso sexual, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs),
diversidade sexual, entre outras.
No entanto, já existem correntes de pensamento que defendem o
ensino de educação sexual para crianças nas escolas justamente com o objetivo
de ajudar a evitar esses problemas no futuro.
"Quando
a criança já sabe alguma coisa de educação sexual, ela aprende a lidar com o
que está acontecendo, fica preparada para isso", diz a educadora sexual
Maria Helena Vilela, do Instituto Kaplan, que promove a capacitação de
professores na área.
"Já a criança não preparada se torna um alvo muito mais
fácil para abusos. A descoberta sexual começa na infância, se você não trabalha
isso, você exclui a sexualidade da criança."
Para preencher o que veem como "lacuna" nas escolas,
algumas ONGs e institutos oferecem atividades para crianças e treinamento para
professores sobre educação sexual.
A própria Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura) lançou uma cartilha mundial em 2010 com uma
"Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade" para
ser usada como base nas escolas.
A BBC Brasil consultou especialistas e preparou uma lista com
estratégias que podem ser adotadas para ensinar educação sexual para crianças.
1) Reconhecimento do corpo: diferenças entre meninos e meninas
A primeira coisa que pode ser ensinada às crianças é o
reconhecimento do corpo delas e as diferenças entre os meninos e as meninas.
"Passamos para as crianças a ideia de que os corpos de menino e menina são
diferentes e aí trabalhamos a questão do respeito", explica Vilela.
"Na hora que ela perceber que não está sendo respeitada, significa que é
para parar ali."
Para Vilela, o tema é um forte tabu para muitos pais.
"Quando eles sabem que os professores estão falando algo para os filhos
sobre sexo, eles já acham que os filhos vão começar a transar e ficam
preocupados. Há uma grande resistência."
"O reconhecimento do corpo não vai fazer nenhum mal para as
crianças, só vai fortalecê-las."
Em sua cartilha, a Unesco diz que "pesquisas de todo o
mundo indicam claramente que a educação sexual raramente leva a um início
sexual precoce, se é que o faz".
"A educação sexual pode levar a um comportamento sexual
mais tardio e mais responsável, ou pode não ter nenhum impacto discernível
sobre o comportamento sexual", diz o documento.
Vilela afirma ainda que é importante também ensinar a criança a
cuidar de seu corpo. "O objetivo é fazer essa criança se tornar uma pessoa
autônoma nesses cuidados. Quanto menos ela precisar de alguém que a limpe, que
a lave, menos exposta ela vai estar e mais autonomia ela tem."
2) O que pode e o que não pode, partes do corpo que são
'públicas' e outras que são 'privadas'
Outra questão importante é explicar para a criança quais partes
do corpo podem ser tocadas e quais não podem. "Elas precisam entender o
conceito de público e privado. Entender que essas partes privadas do corpo, as
pessoas não podem tocar", disse a educadora do Instituto Kaplan.
Vítima de abuso na infância, a nadadora Joanna Maranhão trabalha
essa questão em atividades que promove com a ONG que fundou, a Infância Livre.
"A
gente tem que explicar que existem partes que podem e outras que não podem ser
tocadas, a não ser que seja por um médico ou pelo pai e pela mãe por causa de
algum exame", disse Joanna à BBC Brasil.
"Tem até um joguinho, um pingue-pongue que eu faço com as
crianças mostrando: mão aqui pode, mão aqui não pode. E tem vezes que tem
menino que confunde, que acha que pode. Tem como ser de uma forma lúdica, mas
ao mesmo tempo de uma forma séria."
3) O dono do seu corpo é você
Além de ensinar o reconhecimento do corpo à criança, é preciso
também passar para ela a ideia de que aquele corpo tem um dono.
"Seu corpo é seu: ninguém pode tocá-lo sem sua permissão.
Estabelecer uma comunicação direta com as crianças logo cedo sobre as partes
privadas do corpo, usando os nomes corretos para as genitais, vai ajudar as
crianças a entender o que é permitido para adultos que estejam em contato com
eles. E vai ajudar a identificar comportamentos abusivos", diz a cartilha
elaborada pelo Conselho da Europa para defesa dos Direitos Humanos sobre o
tema.
"Elas
precisam entender o funcionamento desse corpo, que ele tem sensibilidade, tem
sensações, que essas sensações podem ser gostosas, mas podem também não ser.
Vale pra qualquer parte do corpo. Carinho é uma coisa que a gente só recebe
quando quiser", afirmou Vilela.
4) Estratégia: não gostou? Conte para alguém de confiança
Outra medida de proteção contra abusos é conscientizar as
crianças de que, caso alguém faça alguma coisa que elas não gostem, é preciso
contar isso para uma pessoa de confiança.
"Vá embora! Conte. Essa é uma das estratégias que devem ser
ensinadas às crianças para que elas estejam preparadas a dizer 'não' a contatos
físicos que julgarem inapropriados e para fugir de situações pouco seguras.
Além disso, elas precisam contar o que aconteceu a um adulto de sua confiança o
quanto antes", é a orientação da cartilha europeia.
Muitas
vezes, o abusador da criança é alguém muito próximo, da família até. Sendo
assim, é importante também que os adultos próximos estejam preparados para
ouvir o que a criança tem a dizer e não desacreditá-la logo de cara.
"Esse é um trabalho ainda mais complicado, com o adulto.
Ele precisa dar ouvidos à criança", diz Vilela.
"Porque geralmente (o abuso) é com uma pessoa próxima. A
reação dos pais normalmente é 'não seja mal educado'. O adulto precisa estar
atento à mudança de comportamento da criança e, quando ela fizer a queixa,
investigar em vez de logo desacreditá-la", concluiu Vilela.
Da
http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/04/160419_educacao_sexual_criancas_rm
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