quinta-feira, 5 de outubro de 2017

QUANDO A CASA NÃO É UM LAR

Para muitos, a ideia de um lar com crianças brincando na varanda, sons de gritinhos infantis de alegria e risadas advindas de cócegas é uma recordação de um tempo de plenitude, segurança e amor vivido na infância, mas que, para outros, não passa da descrição de cenas de filmes ou ações que acontecem apenas na “casa ao lado”.


Conviver com uma mente que, ao relembrar a infância, remete apenas a uma casa, sentimentos de vazio, medo, culpa, insegurança e abandono afetivo é a realidade de muitos adultos que sofreram silenciosamente a violência sexual, moral, física e/ou psicológica quando pequenos.
É na infância que formamos a visão de nós mesmos. Também é na infância que construímos algo tão grande – a autoestima. Quando ainda somos pequenininhos, instalamos os fundamentos do que existe de mais profundo no ser humano: o EU. Existem alguns fatores que são considerados essenciais na formação do que autores como Beck (2013) chama de crenças centrais ou pessoais.
Experiências de violência interferirão no desenvolvimento saudável da mente, da cognição, do eu, enfim das crenças centrais, pois quanto mais cedo a violência acontecer, mais devastador será para o desenvolvimento do eu, da autoimagem, da autoestima, já que a criança ainda não tem independência emocional e/ou maturidade plena para dar seu consentimento informado.
Em especial, na violência sexual, decorrem consequências consideradas de curto e longo prazos. As consequências de curto prazo manifestam-se no decorrer dos dois anos subsequentes ao abuso, ocasionando alterações nas esferas física, psicológica e social, tais como: distúrbios do sono, medo e dificuldades escolares. Entretanto, a longo prazo fobias, pânico, personalidade antissocial, depressão com ideário suicida, tentativa ou suicídio, isolamento, sentimentos de estigmatização, ansiedade, transtornos alimentares, tensão, dificuldades de relacionamento com pessoas do sexo do agressor, distúrbios sexuais, drogadição e alcoolismo, além de reedição da violência, são fortemente observados.
O agressor não possui a capacidade de cuidar e perceber as necessidades das vítimas, e a pior forma de violência (se é que existe uma forma que seja pior) é a sofrida dentro de casa, diretamente de seus pais, companheiros dos pais, parentes, responsáveis ou pessoas conhecidas. Para Foucault (1976), a violência distingue-se por uma relação de forças desiguais, configurando assim uma relação de poder onde o mais forte subjuga, explora e domina o mais fraco. No caso de crianças, a coerção física ou psicológica acontece em função de sua imaturidade biopsíquica, já que é um ser humano em processo de desenvolvimento, não possuindo condições para compreender ou mesmo evitar sujeitar-se a uma relação de dominação como é o caso da violência sexual.
Segundo Kaplan e Sadock (1990), as consequências do abuso sexual para a criança abarcam aspectos físicos, psicológicos, sexuais e sociais, sendo que seus efeitos físicos e psicológicos podem ser devastadores e perpétuos. Para Furniss (1993) e Knutson (1995), os fatores que influenciam o dano psicológico ou a gravidade do abuso sexual variam de acordo com a idade da criança no início do abuso, a duração do abuso, o grau de violência, a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a vítima, a importância da relação entre abusador e vítima. Entretanto, apesar desses fatores, algo único a todas as vítimas é a percepção de si que se formará a partir da violência vivenciada. A visão que a vítima tem de si mesma se relaciona com a crença central construída.
As crenças são chamadas de centrais por possuírem características disfuncionais, absolutistas, generalizadas e cristalizadas. São regras globais e absolutas sobre si mesmo, os outros, o mundo e o futuro. São os valores, as ideias e os conceitos que o indivíduo possui, os mais enraizados e fundamentais acerca de si mesmo, das pessoas e do mundo. Podem permanecer latentes todo o tempo e ainda ser ativadas nos transtornos emocionais.
É através das crenças centrais que o mundo é interpretado. Não importa a situação que se apresente ao indivíduo, ele sempre pensará e interpretará consoante com suas crenças. A interpretação que cada um faz do mesmo fato pode ser comparada a um par de óculos adquirido ao nascer. Os óculos possuem características específicas, uma cor decorrente de aspectos genéticos/biológicos, que podem ser representadas por nossas tendências inatas, nosso temperamento, mas com o passar dos anos, ele vai ficando embaçado, arranhado, devido a vivências com os pais, professores, amigos e a sociedade em geral. Quando um ser humano passa pela terrível experiência da violência, em todas as suas formas, seja física, psicológica, sexual e a negligência, esses óculos ficam fortemente fragilizados e corroídos.
A fragilidade ocorrerá em decorrência da formação de crenças centrais disfuncionais, isto é, da visão desadaptativa que a vítima de violência desenvolverá a respeito de si. A visão que for desenvolvida sobre si influenciará as emoções e os comportamentos, e o modo como o indivíduo age afetará profundamente padrões de pensamentos e emoções, confirmando que “os homens não se perturbam pelas coisas que acontecem, mas sim pelas opiniões das coisas” (Epíteto – século I). O que importa para a pessoa são os “seus óculos”, a maneira como cada um percebe uma situação vivida.
Dessa forma, todos realizam uma avaliação cognitiva. As situações são avaliadas conforme a cognição que se tem, a crença central de cada um. Pessoas vítimas de violência tendem a formar crenças de desvalor, desamor e desamparo. As crenças de desamor são aquelas expressas por um olhar para si como indesejável, incapaz de ser gostado e amado, sem atrativo algum, imperfeito, rejeitado, abandonado e sozinho. As crenças de desvalor são expressas por aquelas pessoas que se percebem como incompetentes, inadequadas, ineficientes, falhas, defeituosas, enganadoras, fracassadas, sem valor algum, e por fim as crenças de desamparo estão presentes em pessoas que se veem como impotentes, frágeis, vulneráveis, carentes, desamparadas, necessitadas. A violência normalmente ocasiona o desenvolvimento destas crenças: desvalor, desamor e desamparo.
Quando as crenças são ativadas por alguma situação, o processamento de informação torna-se tendencioso no sentido de extrair da realidade apenas as informações que confirmem a crença disfuncional, negligenciando ou minimizando as informações que possam desconfirmar as evidências contrárias. Um exemplo disso pode ser ilustrado na seguinte situação: imagine que uma pessoa possui uma crença de desamor que é acionada com o fato de seu amigo não ter ido ao seu aniversário. Logo, passa em sua cabeça: “Meu amigo não gosta tanto de mim como eu gosto dele. Caso contrário, ele teria vindo”. Dessa forma, o fato do amigo não ter ido ao seu aniversário ativa a crença de desamor, e, quando esta é ativada, impede a pessoa a pensar em outras possibilidades para o não comparecimento do amigo, tais como o amigo ter adoecido, ter tido problemas com o carro, etc. Sendo assim, a pessoa com a crença de desamor entra em sofrimentos, o que altera seu humor na festa, com reações emocionais de tristeza, raiva, passando a agir de forma restrita quanto à interação social e posteriormente ao encontrar com o amigo agindo com indiferença.
Para que o sofrimento seja diminuído e até extinguido, é imprescindível que exista uma tomada de consciência da ativação das crenças, isto é, que a cognição passe por uma avaliação pela própria pessoa a fim de se verificar a veracidade de seu conteúdo, para que haja uma nova percepção da situação e a mudança seja operada. No caso de não haver ações corretivas das crenças centrais disfuncionais, o indivíduo vai cristalizá-las como verdade absoluta e imutável. Quando a cristalização da crença acontece, a pessoa passa a ter baixa autoestima, uma visão ruim de si.
Com as crenças disfuncionais cristalizadas, as pessoas vão criando estratégias compensatórias próprias para lidar com o sofrimento causado pela crença ativada nas relações sociais, ocupacionais, familiares e amorosas. Essas estratégias são desadaptativas, pois trazem desajustes emocionais. Por exemplo, uma pessoa que possui crenças do tipo “sou incompetente”, normalmente, para lidar com essas crenças, desenvolve a estratégia do tipo: “Nem vou tentar fazer esse concurso ou ter um bom trabalho”. Pessoas com crenças do tipo “sou insignificante” possivelmente desenvolverão estratégias do tipo “é melhor eu me isolar, evitar aproximação”.
Questionar o conteúdo do pensamento, a visão que se tem sobre si torna-se fundamental para o alívio do sofrimento e uma vida saudável. Enquanto a mente continuar ligada no automático, acreditando em tudo que passa em seu interior, as pessoas estarão sujeitas a viver oprimidas, com sentimentos de inferioridade e culpa. É preciso utilizar a razão, capacidade única dos seres humanos, para combater a cognição desadaptativa. É preciso pensar que o pensamento que causa dor é fruto de uma cognição disfuncional. É preciso acreditar que nem tudo o que passa na própria mente tem que ser verdadeiro, nem tudo o que se pensa a respeito de si mesmo tem que ser verdadeiro.
É imprescindível questionar, questionar, questionar e posteriormente avaliar o que se pensa, as cognições, as crenças, a visão de si. Tomando consciência dessas cognições, podemos checar as evidências que comprovam se aquele pensamento é real ou irreal, podendo vislumbrar outras possibilidades existentes. A mente humana é extraordinária e precisa ser explorada em sua magnitude, avaliando tudo o que se passa nela. Considerando que as experiências ruins distorcem o processamento de informações, distorcem a cognição humana, as crenças centrais que cada um possui, enfim, a visão que de nos mesmos será distorcida, gerando sofrimento.
A meta da vida sob o olhar de Deus é tornar as lentes dos óculos que as pessoas usam, em especial as que passaram por algum tipo de violência, transparentes, para que os fenômenos possam ser vistos sem distorções, já que essas distorções cognitivas influenciam os pensamentos que, por sua vez, desencadeiam emoções e comportamentos disfuncionais. O caminho está na própria reestruturação da cognição, na identificação das crenças disfuncionais, na identificação dos pensamentos autodestrutivos e no esforço por questionar a visão construída de forma desadaptativa de si próprio. Essa tarefa é por vezes dolorosa, mas necessária no processo resiliente. Com esse novo olhar de si mesmo, todo ser humano terá a chance de formar uma nova história, um lar.
Bibliografia:
BECK, J. (2013) Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática (2a ed.). ( S. Mallmann, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Obra original publicada em ANO.)
KAPLAN, H.I., & SADOCK, B.J. (1990). Compêndio de psiquiatria (2a ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
KNUTSON, J.F. (1995). Psychological characteristics of maltreated children: Putative risk factors and consequences. Annual Review of Psychology, 46, 401-431. FURNISS, T. (1993). Abuso sexual da criança: Uma abordagem multidisciplinar – Manejo, terapia e intervenção legal integrados. Porto Alegre: Artes médicas.

IRANI LAUER LELLIS

Psicóloga com Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Psicóloga clínica e sócia do NUCCAP – Núcleo Cognitivo Comportamental de Atendimento Psicológico. Atua como terapeuta cognitivo comportamental, atendendo especialmente crianças, adolescentes e casais. É professora da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA na graduação e no Programa de Mestrado em Educação.
É casada há 17 anos e mãe de dois filhos, uma adolescente de 14 anos e um menino de 8 anos. Adventista, filha de pastor jubilado, atuante na igreja no Ministério da Mulher e no Ministério da Família.

FONTE: QUEBRANDO O SILÊNCIO

http://quebrandoosilencio.org/quando-a-casa-nao-e-um-lar/

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

'ABUSO SEXUAL NÃO ACONTECE SÓ COM FORÇA FÍSICA’, DIZ PEDAGOGA

Em parceria com a Chilldhood Brasil, conversamos com pedagogas especialistas no assunto para dar luz ao tema da violência sexual infantil, e empoderar não só as famílias, mas também as crianças.



A máxima “meu corpo, minhas regras”, comumente associada às causas feministas, pode e deve ser aplicado ao universo da criança. É só pensar em quantas vezes em um só dia as crianças são submetidas a algum tipo de proximidade corporal com pessoas com quem têm pouca ou nenhuma intimidade. Por isso, dar luz a este assunto é de importância crucial para empoderar as famílias e as próprias crianças contra a violência. Em parceria com a Childhood Brasil, conversamos com especialistas no assunto.
Ainda que de forma inocente e desprovida de qualquer má intenção, é comum que desconhecidos se aproximem das crianças, oferecendo beijos, abraços e carinhos. Porém, é preciso ficar atento ao que esses gestos podem vir a significar.
Um relatório da Childhood sobre violência sexual na infância publicado em setembro de 2016 revela que, entre 2012 e 2015, foram registrados mais de 157 mil casos de violência sexual (que engloba tanto a exploração quanto o abuso) de crianças e adolescentes. Isso significa que, a cada uma hora, há pelo menos 4 casos de uma criança ou adolescente sexualmente violentada no Brasil.

A diferença entre carinho e violência se resume em uma palavra: consentimento

Isso quer dizer que se a criança permitir ser tocada e abraçada, está tudo bem? Nem sempre. Outra questão tem importância crucial aqui: o conhecimento sobre os limites de seu corpo. A criança precisa entender o que é afeto e o que é violência para poder se defender, principalmente para aprender a dizer ‘não’ e saber detectar atitudes abusivas de pessoas próximas.
E como fazer isso? De acordo com os especialistas, a saída está no diálogo aberto. Ou seja, se o sexo ainda é um tabu na sociedade, é preciso tirar essa sombra pelo menos dentro de casa e na escola.
Caroline Arcari, presidente do Instituto CORES, é pedagoga e educadora sexual. Para ela, é preciso quebrar o mito de que educação sexual erotiza a criança antes do tempo: trata-se, ao contrário, de permitir a ela experenciar a infância de forma plena.
“A educação sexual é a forma mais eficaz de prevenção da violência sexual. A Organização Mundial de Saúde já comprovou, ao analisar mais de mil relatórios sobre os efeitos da educação sexual no comportamento de jovens, que quanto mais informação de qualidade sobre sexualidade, mais tarde os adolescentes iniciam a vida sexual. Quanto menos informação, mais precocemente se inicia a vida sexual”, defende.
A pedagoga idealizou, em 2015, o livro “Pipo e Fifi”, que explica às crianças de forma lúdica e com texto acessível as diferenças entre carinho e abuso sexual, e alerta também para o fato de que na maioria das vezes o abuso parte de alguém que a criança conhece e em que ela confia.
“Precisamos superar o mito de que o abuso sexual acontece com o uso da força física, de forma agressiva e pontual, ele pode acontecer mesmo com o consentimento da criança ou do adolescente. Aliás, na maioria das vezes, o consentimento acontece, já que o adulto que comete o abuso o faz por meio da sedução, do convencimento, das trocas, das ameaças e dos toques abusivos disfarçados de afeto. Então, a criança permite (consente) a violência sexual, seja por medo, confusão, imaturidade e até por confiar e/ou amar o agressor (quando este é da família)”.

 “Pipo e Fifi” é uma obra internacionalmente premiada, que ensina as crianças a identificar comportamentos abusivos, além de apontar caminhos para a busca de ajuda em caso de violência sexual. Traduzido para quatro idiomas, com mais de 100 mil cópias distribuídas gratuitamente, o livro está disponível para leitura no site do projeto. Lá, há também outros materiais para download gratuito, para instrumentalizar pais e educadores.

Considerando que a questão nem sempre é clara para quem está no dia a dia com as crianças, é importante não perder de vista que pequenos gestos podem ressignificar o modo como a criança percebe o seu corpo. Caroline aponta algumas alternativas para empoderar os pequenos sobre o abuso:
A possibilidade de escolha

“É importante que as crianças sintam que podem fazer escolhas em coisas simples, dentro de limites estabelecidos pelos pais: roupas, atividades, um passeio, um programa de TV”, sugere.
 Não forçar a criança a abraçar ninguém

“Oferecer alternativas para a criança se relacionar com outras pessoas, sejam parentes ou não, é uma forma de não forçar o contato físico e ainda ensiná-la a ser cortês e simpática”, indica a pedagoga.

Seguir as próprias regras de consentimento

“Os adultos são um modelo de comportamento para as crianças. De nada adianta seguir os passos acima se os próprios adultos não pedem permissão para tocar as crianças, se ignoram a palavra “não” e “pare”, ou se forçam contato físico das crianças com outros adultos. Consentimento se ensina pelo diálogo, mas também pelo exemplo dos adultos”.
O Catraquinha conversou também com a psicóloga Isabel Gervitz, do Toda Criança Pode Aprender, plataforma de conteúdos e referências sobre educação infantil que desenvolveu uma série para empoderar pais e educadores sobre sexualidade infantil, dividida em três partes – clique aqui para ler a primeira.

O limite entre afeto demonstrado de forma física e abuso sexual pode ser muito tênue. Qual o fator determinante para separar uma coisa da outra?

Para a criança, o afeto está muito ligado às sensações físicas, pois ela se relaciona com o mundo de forma mais concreta do que os adultos. A maioria de seus conhecimentos vem do que ela capta através dos sentidos e a abstração é conquistada gradualmente. Justamente por isso, para ela o aspecto físico relacional é importante. Cabe muito mais ao adulto do que à criança identificar o tipo de interação física adequado.
Alguns questionamentos podem ajudar a pensar sobre isso: O contato que está ocorrendo é algo que precisa ser mantido em segredo ou é socialmente aceitável? A criança demonstra reações emocionais ou físicas exageradas frente a essa interação? Há algum tipo de angústia que acompanha o contato físico?

Sabemos que crianças são indivíduos muitas vezes com poucas escolhas, uma vez que são os adultos que definem por elas o que vão comer, vestir, quais lugares vão frequentar. No caso das relações interpessoais, como isso se dá?

O grau de autonomia da criança é variável de acordo com sua idade e com a as características particulares da relação com os adultos responsáveis por ela. No caso das relações interpessoais, isso é semelhante.
É importante estabelecer uma relação de confiança com a criança, permitindo que ela faça suas escolhas e tenha autonomia. Mas também é fundamental acompanhá-la, procurando conhecer as pessoas com quem ela interage e conversando com ela sobre suas atividades e sobre como se relaciona com essas pessoas (o que fazem juntas? Como brincam ou de quê? etc).
Podemos e devemos mediar as relações da criança com as outras pessoas? Como fazer isso sem ferir a individualidade da criança?

Não se pode conceder à criança o mesmo grau de autonomia que seria dado a um adulto, pois ela ainda não tem como arcar com as responsabilidades que isso acarreta e nem é esperado que o faça.
Também não tem discernimento para decidir até que ponto sua relação com outras pessoas é saudável, quais os limites que precisa ter etc. A infância é um período de experimentação e de exploração e, para que isso ocorra, é preciso que haja algum adulto que zele pela segurança da criança.

Considerando que o abuso na maior parte das vezes parte de pessoas próximas da criança e da família, qual o melhor caminho para empoderar a criança em relação ao contato físico sem consentimento?

É possível empoderar a criança, mas há limites consideráveis nesse empoderamento. De forma geral, quem tem a capacidade de prevenir ou mesmo interromper uma situação de abuso é o adulto responsável pela criança.
De qualquer maneira, é possível conversar com a criança sobre a importância dos cuidados com seu próprio corpo, indicando que ela pode recusar alguns tipos de carinho ou contato que não tenha vontade de ter e mostrando que algumas partes do corpo são muito íntimas e não devem ser tocadas por qualquer pessoa. Esse diálogo cabe quando o adulto possui uma relação de vínculo e confiança com a criança e precisa ser delicado e adequado à linguagem infantil, caso contrário não fará sentido para ela, podendo assustá-la e angustiá-la.
Outra possibilidade é explicar à criança que nem sempre os outros sabem que a estão machucando ou tendo um tipo de contato físico que ela não gosta e que nessas ocasiões é importante que ela diga algo, colocando seu limite ou pedindo ajuda.

A questão do abuso sexual faz parte de um guarda-chuva de assuntos ainda tratados como tabus em muitos âmbitos, como o sexo e a relação com o corpo. Como naturalizar o assunto, tanto na escola quanto em casa?

O cuidado com o próprio corpo, bem como a auto-observação sobre as reações físicas e emocionais que o contato com outras pessoas gera são extremamente importantes. Na verdade, o que é mais efetivo para que a criança seja capaz de cuidar de si mesma é um convívio diário com essa questão. Isso é oportunizado em muitos momentos do cotidiano, como em situações de higiene, nas relações com outras crianças e com adultos, ao relaxar na hora de dormir, ao realizar atividades físicas como correr, nadar, dançar, pular.
Vivenciar diversas sensações físicas e tentar percebê-las e descrevê-las pode promover uma intimidade maior da criança com seu próprio corpo. Ao se expressar corporalmente, ela irá perceber gradualmente seus limites, os contatos que gosta e os que não gosta, tornando-se muito mais apta a reparar quando algo não vai bem. Poder falar sobre as reações e sensações corporais com os adultos de referência também é uma forma de manter o canal de diálogo aberto, permitindo que ela peça ajuda quando necessário.

CHILDHOOD BRASIL E CATRAQUINHA PELO FIM DA VIOLÊNCIA SEXUAL


Criada em 1999, a Childhood Brasil é uma organização social brasileira que trabalha para influenciar a agenda de proteção da infância e adolescência no país. A organização tem o papel de garantir que os assuntos relacionados ao abuso e a exploração sexual sejam pauta de políticas públicas e privadas oferecendo informação, soluções e estratégias para os diferentes setores da sociedade. Por entender que este é um tema fundamental para o empoderamento das famílias, o Catraquinha se juntou à organização para luz a essa discussão. 

FONTE: CATRAQUINHA

https://catraquinha.catracalivre.com.br/geral/defender/indicacao/abuso-sexual-nao-acontece-so-com-forca-fisica-diz-pedagoga/