A
"Quebrar o Silêncio" foi fundada a 19 de janeiro do ano passado por
Ângelo Fernandes. Já recebeu 84 pedidos de ajuda
Em apenas um ano, desde
que foi criada para ajudar homens abusados sexualmente, a associação
"Quebrar o Silêncio" recebeu 84 pedidos. A maioria foi vítima durante
a infância, mas só teve coragem de denunciar o crime décadas mais tarde.
A "Quebrar o Silêncio" foi
fundada a 19 de janeiro do ano passado por Ângelo Fernandes para ajudar homens
que, como ele, foram vítimas de abuso sexual. Desde então, e em média, todas as
semanas recebe mais do que um pedido de ajuda.
Em
entrevista à agência Lusa, Ângelo Fernandes contou que foi abusado por um amigo
da família quando tinha 11 anos, um segredo que só teve coragem de revelar aos
33 anos quando vivia no Reino Unido e encontrou ajuda numa associação que
apoiava homens vítimas destes abusos.
Quando regressou a
Portugal decidiu fundar a associação para ajudar outros homens que passaram
pelo mesmo problema a partilharem o crime que viveram.
"Até
agora, tivemos 84 pessoas que nos procuraram, a maioria homens, mas também
familiares ou amigos que acabam também por ser afetados pelo abuso e precisam
de algum apoio ou de saber como podem apoiar" as vítimas.
A
maioria (80%) procurou ajuda pela primeira vez. "São homens que, em média,
passaram 25 anos em silêncio", disse Ângelo Fernandes, explicando que
"foram abusados sexualmente na infância" e só conseguiram pedir ajuda
já adultos.
A
idade média destes homens é de 36 anos, tendo o mais novo 22 e o mais velho 65.
Na maioria dos casos, o abuso ocorreu entre os zero e os 11 anos e teve uma
duração média de entre três e quatro anos, sendo que há casos que duraram dez
ou mais anos.
Segundo
Ângelo Fernandes, os longos anos de silêncio devem-se a "uma vergonha
imensa" das vítimas causada pelas "estratégias de manipulação"
dos agressores, que as fazem acreditar que foram responsáveis pelo abuso,
porque o deixaram acontecer ou porque não foram capazes de o evitar.
"O
peso dos valores tradicionais da masculinidade" que dizem que o homem tem
que ser forte ou que não pode chorar também contribui para que "muitos
homens não falem, não partilhem e não procurem apoio".
Há
ainda outros fatores, como o facto de muitos homens acreditarem que o abuso
sexual só afeta mulheres e que eles são "o único caso" e a ideia de
que "os homens são sempre os agressores, nunca vítimas".
"Há
uma certa resistência em reconhecer que os homens também são afetados pelo
abuso sexual, quando na verdade um em cada seis homens é vítima de abuso antes
dos 18 anos", elucidou, sublinhando que todas estas situações fazem com
que apenas 16% reconheçam que foram vítimas.
Outra "ideia
errada" prende-se com as pessoas pensarem que "os agressores são
estranhos". Em cerca de 90% dos casos, o agressor conhecia o rapaz ou a
criança, porque era familiar ou conhecido da família. "Foi o meu
caso", desabafou, contando que o seu agressor era um "amigo da
família, uma pessoa de confiança".
Inicialmente,
o agressor cria "uma relação de confiança, de amizade, para que a criança
se sinta segura. Depois, tal como aconteceu comigo, vão introduzindo o toque e
vão sexualizando gradualmente a relação para que a criança não tenha
consciência do que está a acontecer" e até se sinta responsabilizada pelo
abuso.
"Eu
cresci a achar que tinha sido o responsável e que tinha sido eu até a seduzir
um homem de 37 anos quando eu tinha apenas 11 anos", comentou o fundador
da primeira associação portuguesa com apoio especializado a estas vítimas.
Além
do acompanhamento das vítimas, a associação realiza sessões de sensibilização
nas escolas, "onde se abordam temas para lá do abuso sexual".
Os
próximos desafios passam por uma maior visibilidade da associação para poder
"chegar a mais homens". Os que já pediram ajuda dizem que finalmente
encontraram um espaço onde puderam partilhar a sua história e onde alguém
acreditou no que diziam, explicou, lamentando que ainda exista "uma
cultura de responsabilização das vítimas.
Para
assinalar o primeiro aniversário, a associação lança hoje um "guia para
homens sobreviventes de abuso sexual" e o vídeo "26 anos em silêncio".
FONTE: DN PORTUGAL
https://www.dn.pt/portugal/interior/homens-abusados-sexualmente-quebram-silencio-de-decadas-com-ajuda-de-associacao-9058972.html