Crianças menores de 4 anos são a maioria das vítimas de abuso
sexual em Cuiabá. Quase 90% das 245 que foram atendidas pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) se encaixam nessa faixa etária. Os números foram revelados pelo
Mapa da Violência 2012, que analisou os atendimentos feitos em 70 municípios
brasileiros com mais de 20 mil crianças e adolescentes (0 a 19 anos) e que
tiveram as maiores taxas de abuso em 2011. Cuiabá ocupou a 15a posição com 67,2
casos para cada grupo de 100 mil menores.
A média está bem acima da registrada no país, que foi de 16,4.
No ano, 10.245 meninos e meninas foram atendidos após sofrerem algum tipo de
violência sexual. A grande maioria do sexo feminino - 83% -, sendo a maior
incidência na faixa etária de 10 e 14 anos.
O estudo também apontou que um grande número dos crimes ocorre
dentro dos próprios lares das vítimas. Realidade que também é constatada pela
Polícia em Mato Grosso. A delegada Daniela Maidel explica que isso ocorre
porque os agressores são, em sua maioria, pessoas que têm vínculo familiar ou
afetivo com o menor. "São tios, padrastos, amigos da família, ou até mesmo
os pais e avós".
Agressores - Prestativos, atenciosos e calmos. Assim se
apresenta a maioria dos autores de violência sexual. Com este perfil, eles
ganham a amizade e confiança dos pais da criança. "Não são pessoas
violentas. Elas primeiro ganham a confiaça dos adultos para depois fazerem suas
vítimas. E na maioria das vezes ameaçam a criança para que não revele o abuso,
caso contrário vai agir contra a pessoa que ela mais ama".
A delegada lembra que outra tática dos criminosos é não deixar
vestígios do crime praticado. Para conseguir isso, nem sempre concretizam a
penetração nos órgãos genitais da criança. "Quando a criança é muito
pequena, se ocorre a penetração, ficam lesões, o que é muito visível. Por isso
eles evitam. Até mesmo quando já são crianças maiores, eles utilizam de outras
estratégias, como a manipulação dos órgãos genitais da vítima e o sexo
oral".
Quando o crime é descoberto, quase a totalidade dos acusados tem
como reação a negação da prática, utilizando como defesa a falta de provas.
"Eles já falam que podemos fazer o exame que não vamos provar nada. Então
buscamos outros vestígios, como por exemplo o depoimento da própria criança,
onde é possível saber se ocorreu algo de anormal".
Primeira batalha - Como envolvem pessoas com laços afetivos que
tomam todos os cuidados para não deixar rastros, um grande número de crimes
sexuais fica no anonimato. Daniela aponta que alguns, mesmo sendo descobertos
pela mãe, não são denunciados. Isso ocorre, segundo ela, porque muitas não
querem se indispor com o agressor, com quem têm alguma relação afetiva.
Esta é uma das grandes batalhas no combate ao abuso sexual de
menores. A metade das denúncias que chegam até a Polícia é feita por terceiros,
vizinhos e educadores da escola onde a vítima estuda e que percebem atitudes
estranhas. A psicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência
Social (Creas), Karoline Araújo de Miranda, destaca que são pequenos
"detalhes" que podem delatar a violência.
Ela explica que, quando muito pequenas, as crianças não têm
noção do abuso sofrido, podendo confundi- lo até com uma brincadeira, devido as
estratégias usadas pelos abusadores. "A criança não tem discernimento do
que está acontecendo. Mas em algum momento ela vai acabar revelando, seja na
mudança de comportamento ou em conversas".
Por isso, lembra ela, é importante que os pais fiquem atentos.
"Até mesmo uma brincadeira que a criança passa a ter com outras. É preciso
ficar alerta e investigar".
Trauma - Culpa e vergonha. Estes são, na maioria, os sentimentos
que as vítimas de abuso carregam, o que dificulta não só a descoberta do crime,
mas também o desenvolvimento dos pequenos. Karoline afirma que, desde os 6
meses, a criança já começa a reter informações e recordações. Portanto, mesmo
que a violência sexual seja cometida quando ela ainda é bebê, os traumas
poderão se apresentar anos depois. "Ela pode nem lembrar que foi vítima de
abuso, mas quando ter um relacionamento afetivo com alguém, uma simples palavra
ou gesto pode causar reações inexplicáveis. Muitos só descobrem tudo isso
quando fazem terapias". Para evitar que isso ocorra, é fundamental que o
menor receba acompanhamento psicológico e social após o abuso.
Segunda batalha - Mas assim como na denúncia, a resistência da
família também é encontrada no tratamento da criança ou adolescente. A
coordenadora do Creas da área central de Cuiabá, Francislene Rodrigues Santos,
conta que, em muitas situações, é preciso pedir a intervenção da Justiça para
obrigar os pais a levarem o menor. "Em todos os casos nós somos informados
para prestar o atendimento a vítima e a seus familiares. Muitas vezes temos que
ligar, ir atrás da família, e mesmo assim elas não comparecem".
A atitude, segundo ela, é justificada pela maioria das pessoas
para amenizar o sofrimento do menino ou menina. Mas não é isso que acontece. A
psicóloga lembra que não falar sobre a agressão, não vai fazer com que a vítima
esqueça. "É pior, porque um dia isso vai se apresentar. É preciso falar e
tratar, mas da forma correta. É o que fazemos". No Creas, o acompanhamento
é feito num período mínimo de 3 meses, podendo ser maior dependendo dos
resultados obtidos. Depois as vítimas são encaminhadas para outros
especialistas.
Combate - Este ano, o Creas também começou a desenvolver o
projeto Faça Bonito em escolas do município, orientando as próprias crianças
sobre os tipos de violência sexual. Francislene explica que é uma forma de
evitar novos crimes e aumentar o número de denúncias. "Nas salas, algumas
já revelam informações que apontam indícios de que trata-se de uma criança
vítima de abuso. A partir daí passamos a investigar. Além disso, elas mesmo
passam a se proteger, pois entendem que algumas atitudes não são normais".
Fonte: A Gazeta
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