As
consequências de um abuso sexual na vida da vítima são inúmeras. No caso de
Sophia*, 20 anos, a bulimia foi a forma mais aparente em que o trauma se
manifestou.
Dos doze
aos quatorze anos, Sophia sofreu com o abuso sexual vindo por parte do próprio
pai. “Não sabia que o que acontecia dentro da minha casa era um caso clássico
de abuso sexual. Acreditava que os toques eram carinhos normais, por mais que
eu sentisse repulsa”, diz Sophia.
Com a
mesma idade em que os abusos começaram, a menina desenvolveu bulimia nervosa.
Essa doença é um transtorno alimentar em que o indivíduo quer emagrecer, mas
tem momentos em que come exageradamente e depois se utiliza de métodos purgativos
equivocados para tentar se livrar das calorias adquiridas. O mais conhecido
desses métodos é o vômito provocado. O surgimento de um distúrbio como esse não
tem uma causa definida, podem ser fatores sociológicos, psicólogicos,
hereditários e também, como qualquer outro transtorno psicológico, pode não
existir uma causa aparente e coerente.
Na época,
Sophia achava que o único motivo que a levava a vomitar e se preocupar
excessivamente com o peso era o simples fato de querer emagrecer. Após iniciar
um tratamento terapêutico, aos dezenove anos, a garota descobriu que os motivos
que a levavam a tal ato excediam a vaidade, e o abuso sexual teve uma
contribuição importante para o seu transtorno alimentar. Sophia não queria ter
curvas de mulher e odiava cada milímetro do seu corpo, pois sentia que era sua
a culpa de o abusador se atrair por ela. Por esse motivo, ela buscava a
magreza. “As curvas são atrativas aos abusadores, e a bulimia me auxiliava a
fugir disso”, conta.
Sophia só
descobriu a relação entre o transtorno e o abuso após receber alta do
tratamento para a bulimia. A garota diz ter ficado surpresa quando descobriu
mais esse fator de contribuição para o distúrbio alimentar. O psiquiatra Celso
Garcia, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Assistência e Estudos em
Transtornos Alimentares (Geta) da Unicamp, explica que algo tão íntimo nunca é
revelado logo nas primeiras consultas. Ou seja, até que o paciente resolva
falar sobre o assunto, outras hipóteses já foram cogitadas para as causas do transtorno
alimentar. Sendo assim, quando a relação do abuso é estabelecida, isso causa
surpresa no paciente.
Garcia
explica que o abuso é uma ferida muito intensa na vivência da sexualidade de um
indivíduo. Então, todas as teorias que relacionam o transtorno alimentar com a
constituição da feminilidade, com a saúde mental do sujeito do ponto de vista
da sexualidade, vão considerar esse evento como algo realmente importante.
Outro fator a ser levado em consideração é quando o abuso vem da parte de um
familiar. “A figura do pai, do padrasto, do tio sofre um trauma no momento em
que aquela paciente vivencia uma violência sexual, e nos transtornos
alimentares é muito comum relações familiares desorganizadas, confusas, com
instabilidade emocional”, explica o psiquiatra.
Após sete
anos convivendo com a bulimia, Sophia conseguiu superar a doença. No entanto, o
abuso é algo com que vem tentando lidar aos poucos. “Sair de casa foi a única
solução e me desfazer de todo o laço que havia com a pessoa [o pai]. Não convivo,
não faço nem recebo visitas, assim como telefonemas. Apesar de ser um membro
importante da minha família, rompi completamente com os laços”, diz Sophia.
Além da
bulimia, a garota carrega consigo uma série de consequências por causa do
abuso. “Não consegui me firmar em compromissos onde havia figuras masculinas
que exerciam autoridade tais como estudo e trabalho. Tive problemas sérios
quanto à sexualidade. Ter uma relação sexual era uma crise, pois eu sempre me
lembrava do abusador: toque, cheiro, palavras”, confessa.
Para
superar o transtorno alimentar, Garcia explica que a paciente tem que entender
que existe um outro caminho. A pessoa não precisa se tornar doente ou bulímica
para lidar com determinados traumas. O psiquiatra também salienta a importância
de procurar ajuda profissional para que o indivíduo possa entender e lidar com
suas feridas emocionais. [Equipe ASN, Pâmela Meireles]
Nenhum comentário:
Postar um comentário