domingo, 4 de novembro de 2012

ABUSO SEXUAL TAMBÉM PODE CAUSAR TRANSTORNOS ALIMENTARES


As consequências de um abuso sexual na vida da vítima são inúmeras. No caso de Sophia*, 20 anos, a bulimia foi a forma mais aparente em que o trauma se manifestou.
Dos doze aos quatorze anos, Sophia sofreu com o abuso sexual vindo por parte do próprio pai. “Não sabia que o que acontecia dentro da minha casa era um caso clássico de abuso sexual. Acreditava que os toques eram carinhos normais, por mais que eu sentisse repulsa”, diz Sophia.

Com a mesma idade em que os abusos começaram, a menina desenvolveu bulimia nervosa. Essa doença é um transtorno alimentar em que o indivíduo quer emagrecer, mas tem momentos em que come exageradamente e depois se utiliza de métodos purgativos equivocados para tentar se livrar das calorias adquiridas. O mais conhecido desses métodos é o vômito provocado. O surgimento de um distúrbio como esse não tem uma causa definida, podem ser fatores sociológicos, psicólogicos, hereditários e também, como qualquer outro transtorno psicológico, pode não existir uma causa aparente e coerente.

Na época, Sophia achava que o único motivo que a levava a vomitar e se preocupar excessivamente com o peso era o simples fato de querer emagrecer. Após iniciar um tratamento terapêutico, aos dezenove anos, a garota descobriu que os motivos que a levavam a tal ato excediam a vaidade, e o abuso sexual teve uma contribuição importante para o seu transtorno alimentar. Sophia não queria ter curvas de mulher e odiava cada milímetro do seu corpo, pois sentia que era sua a culpa de o abusador se atrair por ela. Por esse motivo, ela buscava a magreza. “As curvas são atrativas aos abusadores, e a bulimia me auxiliava a fugir disso”, conta.

Sophia só descobriu a relação entre o transtorno e o abuso após receber alta do tratamento para a bulimia. A garota diz ter ficado surpresa quando descobriu mais esse fator de contribuição para o distúrbio alimentar. O psiquiatra Celso Garcia, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Assistência e Estudos em Transtornos Alimentares (Geta) da Unicamp, explica que algo tão íntimo nunca é revelado logo nas primeiras consultas. Ou seja, até que o paciente resolva falar sobre o assunto, outras hipóteses já foram cogitadas para as causas do transtorno alimentar. Sendo assim, quando a relação do abuso é estabelecida, isso causa surpresa no paciente.

Garcia explica que o abuso é uma ferida muito intensa na vivência da sexualidade de um indivíduo. Então, todas as teorias que relacionam o transtorno alimentar com a constituição da feminilidade, com a saúde mental do sujeito do ponto de vista da sexualidade, vão considerar esse evento como algo realmente importante. Outro fator a ser levado em consideração é quando o abuso vem da parte de um familiar. “A figura do pai, do padrasto, do tio sofre um trauma no momento em que aquela paciente vivencia uma violência sexual, e nos transtornos alimentares é muito comum relações familiares desorganizadas, confusas, com instabilidade emocional”, explica o psiquiatra.

Após sete anos convivendo com a bulimia, Sophia conseguiu superar a doença. No entanto, o abuso é algo com que vem tentando lidar aos poucos. “Sair de casa foi a única solução e me desfazer de todo o laço que havia com a pessoa [o pai]. Não convivo, não faço nem recebo visitas, assim como telefonemas. Apesar de ser um membro importante da minha família, rompi completamente com os laços”, diz Sophia.

Além da bulimia, a garota carrega consigo uma série de consequências por causa do abuso. “Não consegui me firmar em compromissos onde havia figuras masculinas que exerciam autoridade tais como estudo e trabalho. Tive problemas sérios quanto à sexualidade. Ter uma relação sexual era uma crise, pois eu sempre me lembrava do abusador: toque, cheiro, palavras”, confessa.

Para superar o transtorno alimentar, Garcia explica que a paciente tem que entender que existe um outro caminho. A pessoa não precisa se tornar doente ou bulímica para lidar com determinados traumas. O psiquiatra também salienta a importância de procurar ajuda profissional para que o indivíduo possa entender e lidar com suas feridas emocionais. [Equipe ASN, Pâmela Meireles]




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