Brasil
registra uma média de 87 denúncias de violência sexual contra crianças e
adolescentes por dia
Todos os dias, em média nove moradores de São Paulo ligam
para o Disque 100, telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
denunciando casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. E o pior:
esse número cresceu 16% desde 2011, fazendo do estado o líder absoluto nesse
tipo de ocorrência no país.
“Os números são altos e preocupantes, porque se
mantêm elevados mesmo depois das muitas ações governamentais realizadas na
última década para tentar reduzi-los”, disse Irina Bacci, ouvidora nacional de
Direitos Humanos.
Na capital paulista, esses casos normalmente
chegam ao Núcleo de Violência Sexual do Hospital Estadual Pérola Byington, o
único capacitado para fazer exame de corpo de delito nas vítimas menores de
idade. Ali, as estatísticas também são alarmantes e indicam que o número de
atendimentos triplicou nos primeiros dez anos do serviço, de 2001 a 2011.
De acordo com o levantamento, 1.088 crianças de
até 12 anos foram atendidas pelo serviço do hospital em 2011. Dez anos antes,
em 2001, esse número foi de 352 atendimentos. A Secretaria Estadual de Saúde,
responsável pelo hospital, não passou dados atuais dos acolhimentos.
O Pérola Byington oferece atendimento médico
e acompanhamento psicológico a essas vítimas em sua própria sede na
região central ou em entidades conveniadas. Uma delas é o CRVV (Centro de
Referência às Vítimas de Violência), do Instituto Sedes Sapientiae, que teve o
índice de atendimentos a vítimas de violência sexual aumentado em 60% nos
últimos cinco anos. Em 2010 o centro fornecia atendimento psicológico a 50
crianças e hoje já são 80 que passam pelo acolhimento de psicólogos e
assistentes sociais.
“Esse aumento é um reflexo assustador de uma
cultura machista que ainda prevalece e também, por outro lado, das pessoas que
estão mais atentas e seguras para denunciar”, disse a psicóloga Olga Mattioli,
coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência em Relações de Gênero da Unesp.
No Brasil, 87 denúncias
por dia são registradas
O Brasil registra uma média de 87 denúncias de
violência sexual contra crianças e adolescentes por dia. Essa é a quarta
violação mais recorrente contra menores denunciada no Disque 100, da Secretaria
Nacional de Direitos Humanos.
737 Denúncias feitas em SP de janeiro a março
No primeiro trimestre
foram 4.480 casos
No primeiro trimestre deste ano, o serviço da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos registrou 4.480 casos de violência
sexual contra crianças e adolescentes. Por ano, o órgão atende uma média de 32
mil denúncias.
São Paulo lidera com
maioria das ligações
Em São Paulo, nos primeiros três meses de 2015
foram registradas 737 denúncias de violência sexual contra crianças e
adolescentes. Junto com Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, esses foram os
estados que apresentaram maiores demandas no primeiro trimestre deste ano.
2.889
denúncias foram feitas em São Paulo no ano de
2011
3.372
foram os registros em SP pelo Disque 100 em
2014
9
denúncias são feitas por dia na capital
paulista
60%
é a alta no número de atendimentos em ONGs
Entrevista com Reinaldo de Carvalho Juiz
da Infância e Juventude
Juiz da Vara da Infância e Juventude do Fórum
Regional da Lapa, na Zona Oeste, Reinaldo de Carvalho é um dos maiores
especialistas em casos de violência sexual contra crianças.
DIÁRIO_ Quais as explicações para o aumento no
número de denúncias de violência sexual contra as crianças?
REINALDO DE CARVALHO_ São várias as causas. A
primeira é a maior disponibilidade de meios para a população denunciar. Outro
fator é a capacitação dos serviços de saúde para que possam detectar esses
casos de maneira mais rotineira. E por último, uma maior conscientização da
população em geral. As mães, por exemplo, estão mais seguras para denunciar.
Qual é o perfil do agressor e da vítima?
Normalmente, o agressor é da própria família.
Pai, padrasto, tio, avô. São pessoas de todas as classes, embora os casos que
nos chegam sejam das classes menos favorecidas. Isso porque nas mais altas o
problema é resolvido entre eles. Com os advogados e psiquiatras das famílias abastadas.
E as vítimas?
Normalmente são do sexo feminino, embora
aconteça também com meninos. Os abusos começam a ocorrer quando elas têm entre
7 e 8 anos, mas temos casos com crianças muito mais novas registrados.
Quais as situações mais difíceis de serem investigadas?
Quando o agressor é o provedor da família.
Nessas situações, normalmente as mães e até as vítimas têm medo de ficar sem o
sustento e preferem se calar.
Hospital tem unidade do
IML dentro de suas instalações
Os Hospital Pérola Byington, na região central
de São Paulo, é a porta de entrada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) dos casos
de violência sexual contra crianças e adolescentes.
As situações de abuso que necessitam de
atendimento de emergência recebem atenção no Serviço de Pronto Atendimento da
instituição, disponível 24 horas, todos os dias, incluindo feriados. Casos que
não necessitam de intervenção médica de urgência são atendidos pelo serviço
social do hospital, de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h.
Não é necessário apresentar encaminhamento de
outras unidades de saúde ou boletim de ocorrência para receber
atendimento.
O Centro de Referência do Hospital também
conta com uma unidade do IML (Instituto Médico Legal), especializada no
atendimento de casos de violência sexual. No entanto, para acessar os
procedimentos oferecidos pelo IML, é necessária a apresentação de requisição da
autoridade policial, feita durante o registro da ocorrência nas delegacias.
Não é raro crianças e adolescentes
chegarem ao hospital em viaturas policiais, para fazer exames de corpo de
delito quando procuram assistência depois do flagrante de violência sexual. O
Pérola Byington atende uma média de mil crianças de até 12 anos de idade a cada
12 meses nesse setor especializado.
Vítimas de abuso
desenvolvem até risco de suicídio
O menino franzino estava impaciente. Ia ser
atendido pela psicóloga do CRVV (Centro de Referência às Vítimas de Violência),
do Instituto Sedes Sapientiae, na Zona Oeste de São Paulo, e como de costume
ganharia um lanche depois da sessão. Acontece que queria antes. Por isso estava
ansioso.
“Para eles é muito duro falar sobre o abuso que
sofreram, por isso não forçamos nada”, disse a psicóloga Manuela de Oliveira.
“Eles falam quando querem e o que querem.”
A psicóloga conta que a entidade atende
crianças e adolescentes que estão em abrigos (55%) comunitários e outras que
vivem com a própria família (45%). “Temos jovens que sofreram abusos seguidos
dos três anos até a adolescência”, disse. “Boa parte desses casos gera
processos criminais.”
Maria Amélia de Sousa e Silva, coordenadora do
serviço, explica que geralmente os agressores são pessoas próximas. “Eles se
valem da confiança da criança para praticar o abuso”, revela.
Manuela e Maria Amélia dizem que as crianças
chegam à entidade assustadas, com danos psicológicos já detectados e outros
potenciais. “Elas vêm desconfiadas, com medo de tudo. Com histórico de
agressividade, depressão e até risco de suicídio”, afirma a psicóloga.
Com relação aos riscos potenciais, a
especialista aponta dificuldades futuras de relacionamento afetivo,
prostituição no caso das meninas e tendência a atos infracionais no dos
meninos. “Quando essas crianças entram no circuito da violência precisam de um
agente externo para conseguir sair disso”, explicou.
Manuela afirma revela que são comuns histórias
de violência sexual vivenciadas por até cinco gerações dentro da mesma família.
“Vamos investigar e descobrimos histórias de avós muito jovens que já eram
abusadas e trazem seus netos com os mesmos problemas.”
As psicólogas destacaram ainda que a maior
dificuldade relatada pelas mães das vítimas está na credibilidade de suas
histórias por parte da polícia.
“Normalmente as delegacias especializadas em
atendimento à mulher são mais sensíveis para estes assuntos, mas não funcionam
à noite e nos finais de semana”, lamenta Manuela.
Por: Fernando Granato
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