Valentina tem 12
anos. Ela tem um corpo de uma menina de 12 anos de idade. Ela é loira,
branquinha e age como uma menina de 12 anos de idade. Valentina foi escolhida
para participar do MasterChef Jr junto com diversas outras crianças, meninos e
meninas. O que separa Valentina de todas as outras crianças, por enquanto, não
é seu talento na cozinha, mas a cultura do estupro que permite que homens
adultos falem por aí como poderiam estuprar a garota.
(É
bom avisar que mesmo que a descrição de Valentina fosse outra, tudo que vamos
ver abaixo continuaria sendo errado e horrível)
Vamos deixar algo
claro desde o começo: qualquer tipo de relação de natureza sexual com uma
criança é estupro. Uma criança nunca pode ter uma relação sexual consensual
porque ela é criança e não pode tomar esse tipo de decisão. Por lei. Vamos dar
o nome certo às coisas. Aqui não estamos falando de pedofilia, que é uma doença
que pode ser tratada antes que a pessoa cometa qualquer crime — seja ele
consumir pornografia infantil ou o estupro. Nenhum desses homens que comentou
sobre a MasterChef é doente, eles apenas acham que têm o direito de falar
absurdos como esse porque olham para ela e não enxergam uma criança, mas uma
mulher.
É claro que a gente
vem batendo nessa tecla faz um tempo. Quando “novinha”
foi o termo mais procurado em sites pornográficos muita gente disse que era apenas um
sinônimo de ninfeta, tentando apaziguar as coisas sem nem notar que estava
apenas batendo palminha para um crime.
Mas o problema não
está apenas na pornografia. Meninas cada vez mais novas representam adultas em
campanhas publicitárias hipersexualizadas. Mulheres fazem cirurgias para
rejuvenescer a vulva e deixá-la com aparência virginal. Mulheres adultas são
infantilizadas — quantas vezes você chamou mulheres de mulheres e não me
meninas? E a ideia de que porque uma menina se fantasia de mulher já pode ser
tratada como mulher só se populariza. E isso é de uma maldade sem fim.
Nossa sociedade vai criando, dia após
dia, uma maneira de aumentar a vulnerabilidade feminina. E o sexo é a mais
rápida delas. Meninas são incentivadas a ter relacionamentos com homens mais
velhos porque elas são muito maduras para a idade. Mulheres engravidam, então
socialmente diz-se que a responsabilidade pelo bebê é apenas delas. O aborto é
proibido — mesmo acontecendo em números alarmantes em todas as classes sociais
e regiões. Homens mais velhos sabem como guiar meninas a fazer o que eles
querem. Mães adolescentes largam a escola, não fazem faculdade e contentam-se
com subempregos porque precisam sustentar seus filhos. Além de tudo essas
mulheres, que foram meninas vítimas da cultura do estupro, são tidas como
vagabundas.
O mito de que garotas amadurecem mais
rápido do que meninos, por isso devem se relacionar com homens mais velhos é
talvez o mais antigo e que mais crie no imaginário masculino a sensação de
impunidade ao postar o tipo de coisa que foi escrita sobre Valentina, por
exemplo.
É importante
esclarecer que meninas não amadurecem mais rápido do que meninos por uma
questão biológica. Isso acontece porque meninas ganham responsabilidades mais
cedo. São elas que cuidam da casa, dos irmãos mais novos, da comida, vão ao
mercado e substituem o papel da mãe. Em algumas culturas, meninas de 12 anos
são tiradas da escola para cuidar da casa, enquanto meninos têm uma infância
normal. Com todas essas obrigações e responsabilidades, somadas ao cuidado que
meninas aprendem a ter desde muito jovens para lidar com investidas de homens
adultos, as torna mais maduras. É uma construção social.
Enquanto meninas são encaminhadas a
uma maturidade precoce, os meninos e homens são perdoados por todos seus erros
porque são apenas garotos, independente
da sua idade — vamos deixar claro também que isso acontece com mais força
quando relacionado a homens brancos e de certa posição socioeconômica, aos
homens e meninos negros ou pobres sobra apenas a desconfiança e teorias que
apontam seus erros como biológicos.
Some a toda essa cultura a ideia de
que todas as mulheres são vagabundas. Todas aquelas que não estão dentro do
padrão esperado por aquele homem, já que não existe um consenso sobre como
deveria ser o comportamento feminino de uma não-vadia. Quando a mulher é
bonita, então, o problema é ainda maior: ela é tida como burra, é objetificada,
estereotipada e tem tomada de si a possibilidade de dizer não a qualquer
investida. O preço disso é ser tachada de metida. E não importa o que uma
mulher faça: basta despertar o desejo em um homem e você se torna vagabunda.
O
desejo é responsabilidade de quem o sente e não de quem o desperta. Quando um
adulto sente desejo por uma criança é ele o culpado por ir contra uma norma
social que protege a infância, a integridade e o corpo de uma incapaz (de
acordo com a lei). Porém é muito simples inverter esse raciocínio ao dizer que
a menina já tem em si a sexualidade de uma mulher, que ela usa roupas
provocativas e que pede atenção masculina. Com essa ideia o homem torna-se a
vítima de uma “destruidora de lares” que ainda brinca de boneca, apesar de ter
sim sexualidade, ainda que muito diferente da de uma mulher adulta.
É importante falar
sobre a cultura do estupro. Ela anda nas entrelinhas de muitos discursos. Ela
caminha ao lado da ideia de que homens não conseguem conter seus instintos. Ela
está totalmente ligada ao falso consenso que poderia dar uma criança. Ela é
reforçada pela infantilização de mulheres adultas. A impunidade é sua melhor
amiga e a culpabilização da vítima sua principal arma.
Crianças, tenham elas habilidades de
adulto (como cozinhar), corpo desenvolvido, usem roupas provocativas ou sejam
maduras, são apenas crianças. E qualquer intenção não fraternal direcionada a
elas é crime. A culpa não é delas. O que deveria fazer Valentina? Abrir mão do
sonho de ser chef? Esconder-se atrás de roupas masculinizadas? Encontrar
maneiras de ser menos atraente? Essas são saídas que todas nós, mulheres,
encontramos a vida toda, mas não são saídas que queremos oferecer para as
meninas. Elas merecem um caminho melhor do que o nosso.
Um
agradecimento especial a Ju Freitas, que compartilhou os prints do Twitter.
Por Carol Patrocínio
FONTE: https://medium.com/@carolpatrocinio/quando-uma-menina-de-12-anos-no-masterchef-jr-desperta-o-desejo-de-homens-adultos-precisamos-falar-503567b2778d#.t7twxaeps
Nenhum comentário:
Postar um comentário