A americana Rexan Jones, 23, é fruto dos anos em que sua mãe foi abusada
pelo próprio pai. Após ele ser preso, sua mãe deu continuidade ao ciclo
perverso abusando dela com um padrasto. Hoje, separada, é mãe de duas crianças
e fundou um grupo de apoio para sobreviventes como ela
Por Kaitlin Menza da Revista Marie Claire
“Poucas pessoas conhecem a história completa da minha infância. Amigos
sabem algumas partes –que fui adotada, talvez, ou que meu pais já morreram ou
que me sinto mal em mutidões- mas os detalhes são sempre chocantes demais para
que eu consiga contar ou alguém consiga ouvir. Estou contando agora na
esperança de ajudar alguém que precise de ajuda, numa tentativa de encontrar
outros sobreviventes como eu.
Eu sou um produto do incesto. Meu avô abusou sexualmente da
minha mãe –filha dele- por anos, eventualmente a engravidando, e eu sou o
resultado disso. Ele é meu avô e pai; seus outros sete filhos são, ao mesmo
tempo, meus tios e tias e meu irmãos e irmãs.
Por anos, minha mãe, a mais velha, suportou o abuso por meio de um
triste acordo com ele: ‘Faça o que quiser comigo, desde que deixe as outras em
paz.’ Ela tinha 18 anos e estava grávida de mim quando
descobriu que ele nunca cumpriu a promessa e foi quando fugiu.
“Por anos, minha mãe, a filha mais velha, suportou o abuso por meio de
um triste acordo com o pai: ‘Faça o que quiser comigo, desde que deixe as
outras em paz.’
Só então decidiu finalmente denunciar oabuso. Minha família
conseguiu manter a história em segredo vivendo sempre de mudança e se isolando
de qualquer tipo de vizinhança. Eles viveram em vários hotéis e nunca
matriculavam os filhos em escolas. Numa estranha coincidência, minha mãe foi
à polícia ao mesmo tempo que dois dos irmãos dela haviam sido encontrados após
também fugirem de casa. As histórias eram tão semelhantes que os assistentes
sociais ligaram os pontos.
Levou seis meses até que alguém perguntasse à minha mãe quem era o meu
pai. A família mantinha a versão de que ela havia sido abusada por
algum empregado de um dos hotéis, mas os assistentes sociais desconfiaram e a
pressionaram até que ela admitisse que eu era filha do meu avô.
Um exame de sangue selou o destino do meu avô, que foi condenado a 20
anos de prisão por abuso sexual e incesto (ele foi
solto há dois anos, mas continua fichado como estuprador –eu
rastreio os passos dele todos os dias para ter certeza de que não está vivendo
nas proximidades).
Infelizmente, o pesadelo não acabou depois que ele foi preso. Minha mãe
começou a usar drogas e deu continuidade ao ciclo de abusos. Ela
arranjou um novo namorado e me usava, ainda criança, como parte das fantasias
sexuais dos dois. Ela me filmava e fotografava nessas situações e vendia
imagens como pornografia infantil.
Uma das minhas primeiras lembranças é de ser colocada de castigo porque
resistia ou porque havia me recusado a fazer sexo oral no
namorado da minha mãe. Ela se suicidou, enforcada, no dia 7 de agosto de
1996, quando eu tinha 5 anos.
“Minha mãe começou a usar drogas e deu continuidade ao ciclo de abusos.
Ela arranjou um novo namorado e me usava, ainda criança, como parte das
fantasias sexuais dos dois”
Fui mandada para a casa da minha avó, que havia sido uma testemunha
silenciosa dos horrores que o marido fazia. Ela também não era alguém
mentalmente estável e me via como o fruto da infidelidade do
marido –para ela, minha mãe era ‘a outra’. Por causa disso, me batia e agredia
psicologicamente constantemente. Quando eu fazia algo de que ela não
gostava, ela dizia que meu mau comportamento era porque eu era ‘filha de Satã’.
Na adolescência, minha fúria era enorme e eu encontrei refúgio em
analgésicos e maconha. Fiquei grávida do meu namorado no
segundo grau, quando tinha 16 anos e meu filho finalmente mudou minha vida.
Parei de beber e fumar assim que soube da gravidez e toda minha vida passou a ser
dar ao bebê uma vida melhor do que a que tinha tido. Quando dei à luz, os
médicos viram aquela adolescente cheia de hematomas e ligaram para o serviço
social. Eu e meu filho fomos mandados para um abrigo e a assistente social que
me recebeu era a mesma que tinha ajudado minha mãe e seus irmãos anos antes.
Ela decidiu me adotar quando eu tinha 17.
Após isso, tive uma pequena amostra de uma vida normal. Fui a oradora da
minha turma de colégio na formatura, casei com meu namorado, pai do meu filho.
Tivemos outro filho e meu marido entrou para a Marinha.
“Parei de beber e fumar assim que soube que estava grávida e toda minha
vida passou a ser dar ao bebê uma vida melhor do que a que tinha tido”
Mas durante todos esses anos, tive que lidar com problemas de ansiedade
e o fantasma da depressão. Fui internada algum tempo após uma
tentativa de suicídio. Como terapia, escrevia todo dia sobre minha vida.
Coloquei tudo no papel. Até hoje leio esses relatos quando tenho dias ruins,
para me lembrar o quanto já superei.
Meu marido e eu acabamos nos separando, mas eu e a nova esposa dele
viramos amigas. Ela sempre me visitava no hospital e levava desenhos dos meus
filhos. Tenho muitos amigos que me apoiam. Um deles, com quem divido uma casa
hoje, é capaz de passar 45 minutos me acalmando quando, do nada, tenho crises
de pânico.
Tenho um cachorro que é parte da minha terapia psiquiátrica. Ele é um
São Bernardo fofo que é treinado para reconhecer quando estou em crise e,
literalmente, se colocar na minha frente e me bloquear até que eu me
acalme. Sempre amei animais e sou voluntária em clínicas veterinárias no
meu tempo livre.
HERANÇA GENÉTICA
Você deve estar se perguntando sobre minha saúde, considerando a minha
herança genética complicada. Tenho um risco maior de desenvolver as doenças do
lado da família do meu pai, uma vez que tenho mais do DNA dele. Já venci dois cânceres
cervicais e, como minhas articulações não se desenvolveram
corretamente, tenho artrite. Um médico me disse que sou uma mulher de 23 anos
com um corpo de 53.
“Meus filhos são meu maior incentivo. Eles me ensinam a capacidade de
ser feliz.”
Namorar alguém é muito difícil, mas eu tento. A intimidade é a parte
mais complicada, emocional e sexualmente, então eu estabeleço limites, uma
série de coisas que posso e não posso fazer.
Meus filhos são meu maior incentivo. Eles me ensinam a capacidade de ser
feliz. Os dois têm 6 e 4 anos e tudo que sabem sobre meu passado é que a mãe
era uma órfã que foi adotada. Eles me motivam a sair da cama, ir
trabalhar, sorrir. Ociclo de abuso acabou em mim.
Passei tempo demais da minha vida sentindo raiva, revoltada com meu
passado e ressentida com minha família. Também fiquei muito pessimista sobre a
capacidade humana para o mal. Me cansei de sentir esse ódio.
Fundei um grupo de apoio para
pessoas como eu, na esperança de formar uma rede de sobreviventes. Estou bem em
relação ao passado, é o presente e o futuro –minha carreira, meus animais,
minha esperança no amor, meus meninos lindos- que importam para mim de agora em
diante.
http://www.geledes.org.br/meu-avo-abusou-sexualmente-da-minha-mae-e-eu-sou-o-resultado/#ixzz3x35CgFGB
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