80% DOS CASOS
ACONTECE NO LAR DA CRIANÇA, E AS FAMÍLIAS TENDEM A FICAR EM SILÊNCIO.
Ela tem apenas 9 anos. No mesmo site de nudez infantil, há uma
menina de 11 anos, despida numa praia do Báltico, mais uma infinidade de fotos
de bebês ainda lactentes, pequenos seres naquela fase em que ainda choram para
pedir a atenção carinhosa dos pais.
O que leva alguém a excitar-se
sexualmente com crianças? Como explicar a mera existência desse
distúrbio? Na semana passada, o youtuber PC Siqueira foi acusado de
pedofilia. Ele nega, e diz que a suposta
evidência contra ele foi forjada. Independentemente do desfecho
desse caso, o fato é que a repercussão dele trouxe o assunto de volta à tona.
E vamos começar pelo ponto principal: a raiz da pedofilia está
num conceito torpe de dominação. “A criança nunca é parceira na relação de um
pedófilo, mas seu objeto, pois se trata de um ser indefeso, dominado
sadicamente”, afirma o psicanalista carioca Joel Birman, que atende em seu
consultório antigas vítimas de investidas de adultos. “Usar uma criança como
objeto sexual é ter uma ilusão de potência”. Tal ilusão excitaria o pedófilo.
O psiquiatra francês Patrick
Dunaigre, especializado no assunto, defende a existência de dois tipos de
pedofilia: a “de situação” e a “preferencial”. A primeira talvez seja o tipo
mais difícil de detectar. Alguns adultos, principalmente homens, atacam
crianças sem, no entanto, se sentirem excitados com elas. O ataque não envolve
necessariamente relações sexuais mais diretas, como penetração. A agressão pode
ser uma carícia disfarçada de inocente cócega ou mesmo beijos em partes mais
íntimas do corpo infantil. Na maior parte dos casos são crimes isolados e que,
muitas vezes, não irão se repetir no futuro.
O segundo tipo de pedofilia, o “preferencial”, é o mais
conhecido. Ocorre quando o agressor deliberadamente escolhe bebês e crianças na
pré-puberdade – antes dos 13 anos – como obscuros objetos para sua satisfação
sexual. Na maior parte dos casos é praticada por um adulto que adquire a
confiança da vítima.
Glenn Wilson, professor de Psicologia na Universidade de Londres,
Inglaterra, realizou extensa pesquisa para definir o padrão de um pedófilo
típico. De acordo com ele, a maioria dos tem entre 30 e 45 anos e é do sexo
masculino (95%). Desses, 71% abusam preferencialmente meninos, de 12 a 15 anos.
Uma estatística mais conhecida, e não menos revoltantes: 80% dos
casos ocorrem na intimidade do lar: pais, tios e padrastos são os principais
agressores, de acordo com o psicólogo David L. Burton, especialista em agressão
infantil da Universidade de Michigan.
“Há um pacto de silêncio”,
denuncia o psicólogo Antônio Augusto Pinto Júnior, coordenador do Centro de
Referência à Infância e à Adolescência de Guaratinguetá, município do interior
paulista. Antônio Augusto, que atende crianças que sofreram abuso sexual dentro
de casa.
Um dos casos atendidos pelo psicólogo é o de uma menina de 13
anos, abusada pelo avô. Detalhe: suspeita-se que o avô, na verdade, seja pai da
menina, pois anteriormente ele mantivera relações sexuais com a mãe dela – e
filha dele. Episódios aterradores (e comuns) como este são pouco divulgados. “A
mãe geralmente é cúmplice do abuso”, afirma Antônio Augusto.
Por medo da reação da sociedade, grande parte dos casos de
pedofilia familiar não vêm à tona. “Os casos são muito mais numerosos do que nós
sabemos”, diz a coordenadora do Lacri, a professora de Psicologia da USP Maria
Amélia Azevedo.
Não fica nisso, claro. Países como Sri Lanka, Filipinas e
República Tcheca abrigam mercados de turismo sexual – e o Brasil está nessa
lista. É comum ver, nas praias do Nordeste, parrudos europeus desfilando com
meninas e meninos completamente imaturos para qualquer relação íntima.
As conseqüências nas crianças
molestadas são as piores possíveis. O abuso provoca danos na estrutura e nas
funções do cérebro, incluindo aquelas que desempenham papel importante na
cognição, na memória e nas emoções.
Depressão, propensão a abuso de álcool e drogas são algumas das
seqüelas observadas pelos pesquisadores. A maioria percebe que, mais crescidas,
as crianças costumam apresentar problemas ligados à sexualidade – de inibição e
pavor ao sexo a comportamentos que podem se transformar em pedofilia. O círculo
vicioso, então, se completa – e deixa atrás de si um rastro de frustração,
raiva, medo e silêncio.
Acabar com esse silêncio é um
dever de cada um de nós.
Esta
é uma adaptação da reportagem Inocência Roubada, publicada originalmente na
versão impressa da SUPER, em abril de 2002. Atualizado por Alexandre
Versignassi.
Por Leandro
Sarmatz - Atualizado em 15 jun 2020, 18h03 - Publicado em 30 abr
2002, 22h00
FONTE: REVISTA SUPER INTERESSANTE
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