Quando
ainda pouco ou nada se falava sobre abuso sexual de crianças e adolescentes no
Brasil, a banda Nenhum de Nós ousou abordar o tema na década de 80
com a música “Camila, Camila“, hoje um clássico do rock nacional. O vocalista e
autor da letra, Thedy Corrêa, conta como sentiu a necessidade de falar sobre o
delicado assunto. Ele também lamenta que muitas músicas brasileiras ainda
estimulem o sexismo e deturpem a imagem da mulher, quando deveriam
conscientizar contra a violência sexual. Acompanhe a entrevista com o
compositor:
O Dia Nacional de
Combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes (18 de maio),
foi criado há 12 anos, devido a um crime bárbaro com uma menina de oito anos,
estuprada e morta carbonizada. Quinze anos antes, com a música Camila,Camila,
sua banda já abordava o problema da violência sexual contra jovens. Existem
muitas outras Camilas no país que guardam “lembranças do silêncio”‘ e
“vergonha do espelho”. Você já pensava nisso na época?
Até
hoje, a música é muito ouvida. Quando você compôs a letra, já passava pela sua
cabeça que poderia ser um alerta para as adolescentes?
Quando escrevemos Camila, jamais esperávamos que fosse fazer
tamanho sucesso – até mesmo pela temática complicada. Quando ela estourou, a
questão se tornou uma constante em nossas entrevistas, e isso foi fantástico
para que se abordasse o tema entre o público jovem.
Por que você acha que
a música fez tanto sucesso?
Acredito se deva justamente à abordagem de um assunto que,
infelizmente, ainda aflige a sociedade e as mulheres em geral. Não se trata de
um tema ligado a um modismo ou uma linguagem datada. O assunto continua atual.
Você pensava na época
em abordar temas delicados como o abuso sexual ou a exploração sexual de
crianças e adolescentes e o que acha que mudou dos anos 80 para cá em relação
ao assunto?
Sempre pensamos em fazer canções que tivessem um conteúdo
contestatório. Colocar questões que fizessem parte das “feridas” da sociedade.
A violência sexual era pior nos anos 80, porque não era tão debatida quanto
hoje. Existe maior consciência por parte da sociedade e mecanismos de proteção
que são fruto desta discussão.
Em sua opinião, as
meninas hoje estão mais conscientes do problema?
Estão um pouco mais, mas é triste constatar que a música
brasileira de hoje não ajuda. Uma pesquisa feita pela MTV há uns anos mostra
que apenas Camila tratava desse tema. De resto, assistimos
estarrecidos ao avanço de estilos e temáticas que pouco têm ajudado na
conscientização do problema. Basta ver gente achando graça quando algum funk se
refere às garotas como cachorras, ou algum sertanejo fala em um amor que beira à
violência. Isso é um retrocesso. Triste, mas é verdade…
Essa
canção foi inspirada em fatos reais, envolvendo uma jovem que nós conhecíamos
na época, em 1985. Era uma colega de escola bastante bonita com um namorado
violento. Ficávamos intrigados com os motivos que levavam uma garota assim a se
submeter e ser maltratada por um rapaz tão estúpido. Ouvimos algumas
histórias de situações constrangedoras que ela sofreu e essa foi nossa “faísca
criadora” para uma canção que falasse da violência contra a mulher. Por isso os
“olhos insanos”, a “vergonha do espelho naquelas marcas”, além da tristeza e indignação
na melodia. Hoje, ela vive super bem, tem uma linda família e está bem longe
desse antigo namorado… Ainda bem!
FONTE: SEMAS CASTANHAL
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