O crime é uma ofensa aos
direitos humanos porque explora, degrada a dignidade e limita a liberdade
Cárcere privado, servidão, abuso, perda da
vida, dor. Essas são algumas das violações pelas quais passam as vítimas do
tráfico de mulheres. Na maioria das vezes, de maneira solitária e silenciosa.
Os casos de tráfico no Brasil, normalmente, não são tipificados ou são
caracterizados como turismo sexual e até como desaparecimento. Esse é um
problema que prejudica a resolução do crime. A prática é invisível a uma
sociedade que nem sequer sabe o que é e desafiador para o Estado que encontra
dificuldades para desvendar os casos. A retaguarda ainda é pequena. É como se o
assunto não fosse de ninguém.
O tráfico de mulheres, crianças e
adolescentes, para fins de exploração sexual comercial, é um fenômeno em
expansão. Fortaleza é uma das principais rotas do Brasil. No entanto, os dados
pouco existem em virtude de ser uma atividade de caráter criminoso e
eminentemente velado que continua sendo praticada na Capital, sem que a Polícia
se dê conta e tome providências efetivas no combate. E não só o tráfico
internacional, mas o interno que tem crescido em velocidade assustadora.
Meninas são levadas ao Interior ou trazidas à Capital e vice-versa para serem exploradas
sexualmente.
Norte e Nordeste são as regiões mais
atingidas pelo tráfico, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas
(ONU). Essa é a terceira maior atividade ilegal do mundo, perdendo somente para
o tráfico de drogas e o de armas, e a que mais cresce. Prática que movimenta,
anualmente, cerca de US$ 9 bilhões. A maior atividade do tráfico de seres
humanos é o abastecimento do mercado da prostituição dos países desenvolvidos.
Segundo dados do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes (UNODC),
92% dos casos analisados eram de vítimas aliciadas para a exploração sexual.
Existe, ainda, o tráfico para o trabalho forçado e para a remoção de órgãos.
A coordenadora do Núcleo de Estudos de
Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará, Maria
Dolores de Brito Mota, compara o tráfico de mulheres ao negreiro, realizado no
Brasil na época da escravatura. "O tipo de tráfico que acontece hoje é
moderno". Maria Dolores lembra que o conceito de tráfico é quando o
sujeito perde a autonomia de construir um projeto seu e de ter escolha.
Como define o Plano Nacional de
Enfrentamento, o tráfico de pessoas é uma ofensa aos direitos humanos porque
explora, degrada a dignidade, limita a liberdade de ir e vir. É ainda
consequência do desrespeito aos direitos humanos porque é fruto dos problemas
sociais.
Segundo dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), quase um milhão de pessoas são traficadas no mundo anualmente
com a finalidade de exploração sexual, sendo que 98% são mulheres. "A
mulher dá mais lucro que a droga ou o armamento.
Estes, a gente só pode vender uma vez,
enquanto a mulher a gente revende até ela morrer de Aids, ficar louca ou se
matar", disse um cafetão europeu em depoimento presente no Documento da
União de Congregações Religiosas Femininas da Igreja Católica, de 2002.
Violência
As consequências para as mulheres são
devastadoras. Quando traficadas, elas têm a documentação retida e sofrem os
mais diversos tipos de violência. Conforme a professora doutora da Universidade
de Brasília que coordenou a Pesquisa Nacional sobre Tráfico de Mulheres,
Crianças e Adolescentes (Pestraf), de 2002, Maria Lúcia Leal, as mulheres
chegam com fragilidade emocional e com a saúde mental abalada.
Tudo começa quando os homens, normalmente
estrangeiros, fazem a proposta. A coisa é rápida. Acontece o primeiro programa
e o convite logo surge. A coordenadora adjunta da Coordenadoria de Políticas
para Mulheres de Fortaleza, Tatiana Raulino, adverte que as pessoas precisam
desconfiar de ofertas de trabalho sem muita informação. "Muitas moças caem
nessa situação dentro da lógica do engano".
Chegando ao país estranho, os aliciadores anunciam a dívida e então começam a violência e os maus tratos. Especialistas acreditam que é preciso ter uma política de Estado para fortalecer a capacidade de negociar conflitos. A repressão policial e judicial não é bastante para dar conta do problema e de suas impressionantes dimensões.
Vítimas
98% das pessoas
traficadas para fins de exploração sexual são mulheres, do total de um milhão,
segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Ligue 180 vai atender
brasileiras no exterior
O primeiro e mais
importante passo para romper com a violência praticada por aliciadores nas
situações de tráfico de pessoas é procurar ajuda. Mulheres brasileiras agora
poderão contar com a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 - no exterior.
Há seis anos, o serviço já assiste as brasileiras em situação de risco no
Brasil e começa a ser visto como referência para as vítimas também fora do
país. Mais precisamente, na Espanha, em Portugal e na Itália.
O serviço foi lançado pela Secretaria Especial de
Políticas paras as mulheres, junto com os Ministérios da Justiça e das Relações
Exteriores. Mulheres que são traficadas para o exterior enfrentam muita
dificuldade de buscar ajuda. Isso porque têm o passaporte retido e ficam
enclausuradas. Portanto, o serviço de atendimento por telefone é a primeira
porta que se abre para as cidadãs fora do país. Da mesma forma que no Brasil, a
ligação no exterior também é gratuita e confidencial. Além disso, funciona 24
horas, todos os dias da semana, inclusive nos feriados.
Anonimato
A Central, assim como mantém o anonimato, não tem caráter de denúncia. O trabalho é de informar e orientar as vítimas da violência. As mulheres em situação de violência na Espanha devem ligar para 900 990 055, fazer a opção três e, em seguida, informar (em português) o número 61-3799.0180. Em Portugal, devem ligar para 800 800 550, também fazer a opção três e informar o número 61-3799.0180. Na Itália, as brasileiras podem ligar para o 800 172 211, fazer a opção três e informar o número 61-3799.018.
LINA MOSCOSO
REPÓRTER
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