Mesmo sofrendo abuso sexual por parte de familiares e,
na maioria das vezes, do próprio pai, muitas crianças não são tidas como
vítimas, mas, sim, como causadoras da situação. De acordo com a titular da
Delegacia Especializada de Atenção à Mulher (Deam) em Itabuna, delegada
Lisdeile Nobre Guimarães, em alguns casos de abuso sexual contra crianças e
adolescentes, os próprios familiares não têm interesse em dar prosseguimento ao
inquérito e preferem “abafar” o caso. Segundo a delegada, em muitas vezes as próprias
mães de crianças violentadas as vêem como inimigas, concorrentes e não como
vítimas.
De acordo com ela, em geral, a
família se preocupa apenas com a perda da virgindade da criança. “Parece
incrível, mas muitos não atentam para o crime de que ela foi vítima”, diz a
delegada. A lei diz que o delegado só pode processar o acusado se a família
fizer a representação. “Diversos motivos levam a família a negligenciar casos
como esse. Geralmente os parentes não querem ver o familiar atrás das grades,
ou perder a pessoa que sustenta economicamente o lar”, disse a delegada, que
ainda salientou o problema que a vítima enfrenta além do abuso.
Casos de abuso
De acordo com a titular da Deam,
três casos de violência sexual foram registrados na delegacia nas últimas quatro
semanas. Em um deles, uma menina de 12 anos acusou o primo, de 30 anos, de
abuso sexual. A mãe da menina presenciou a cena e denunciou à Polícia, a vítima
foi submetida a exame de corpo de delito e ficou constatada a agressão. “Mesmo
com a comprovação do crime, que inclusive foi ratificado com o depoimento da
menina, a mãe preferiu que o agressor não fosse processado”, disse.
Segundo a delegada, quando os
abusos sexuais ocorrem na família a criança, por vergonha ou por temer que a
família se desestruture ao descobrir o segredo, não conversa com a mãe ou outro
parente próximo. Foi o que aconteceu com a menor L.O.S., de 10 anos, abusada
sexualmente pelo pai, Iran Nilson Santana de Souza. Ele abusava sexualmente da
criança, e a tia passou a suspeitar. No dia 27 de junho, a criança comentou com
a tia que seu pai estava lhe mexendo. “A tia entendeu a situação e chamou a
Polícia num momento em que ele estava só com a criança”, diz a delegada. Iran
Nilson foi preso em flagrante e está detido na Cadeia Pública de Itabuna.
Segundo o depoimento da criança,
seus pais, inclusive a mãe, bebem com muita freqüência e à noite dormem os pais
– bêbados – e ela, num único colchão. “Ela relatou que quando a mãe dormia o
pai começava a acariciar suas partes íntimas e que chamava a mãe, mas ela, por
estar completamente embriagada, não acordava”, informou a delegada.
De acordo com artigo 225, do
Código Penal, “Procede-se mediante ação pública: se o crime é cometido com
abuso do pátrio poder (pai), ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.”
Como neste caso o pai foi o agressor, o inquérito já foi encaminhado à Justiça.
“Neste caso percebemos o temor da criança em não querer desestruturar a família
colocando o próprio pai na prisão. Ela chegou a relatar que o pai havia cometido
o crime, mas que não queria que ela fosse preso”, disse a titular da Deam.
Pai estuprador
Um outro caso chocante foi
relatado pela delegada Lisdeile. Duas meninas, de 9 e 11 anos de idade, foram
abusadas pelo próprio pai, o pedreiro Ariel da Silva Santos, que está foragido.
A Deam tomou conhecimento do caso através do Serviço Social de um hospital em
Itabuna. “Uma vizinha levou a menor C.S.F.S., de 9 anos, ao hospital, pois esta
queixava-se de um corrimento vaginal. “No hospital, a vizinha informou que a menina
havia caído de bicicleta e assim teria machucado a vagina, mas a enfermeira
desconfiou da versão e percebeu que a menina poderia estar sendo abusada
sexualmente”.
O serviço social do hospital
comunicou ao Conselho Tutelar, que, em seguida, comunicou à Polícia Militar. “O
mandado de prisão preventiva do acusado saiu um dia após descobrirmos o crime,
mas ele ainda está foragido”, diz a delegada.
Menina grapiúna
O projeto “Menina grapiúna” tem
sido desenvolvido pela Delegacia da Mulher e tem como objetivo combater o
abuso, como a exploração sexual de crianças e adolescentes. De acordo com a
delegada, o projeto funciona em quatro eixos: prevenção, com palestras
realizadas em escolas públicas e particulares; social, encaminhando as vítimas
para projetos educacionais e psicológicos, como o Sentinela; repressão,
com instauração de inquéritos policiais e o trabalho conjunto com a Polícia
Militar e Civil e o diagnóstico, mapeando os focos de incidência desse tipo de
crime na cidade.
Segundo a delegada, é freqüente
que as vítimas permaneçam silenciosas por não desejarem prejudicar o abusador
ou provocar uma desagregação familiar ou por receio de serem consideradas
culpadas ou castigadas. Por isso, o projeto visa conscientizar a família e a
sociedade para a situação das vítimas. “Os crimes devem ser denunciados e as
crianças devem ter apoio para não sofrerem um trauma ainda maior”, alerta.
Casos de abuso ou exploração
sexual de crianças e adolescentes poderão ser notificados pelo telefone 100, o
número do disque-denúncia da central de telefone do Sistema Nacional de Combate
à Exploração Sexual Infanto-juvenil.
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