sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pedofilia, sadismo e necrofilia, até onde pode o cinema?

A polêmica em torno de A Serbian Film %u2013 Terror sem Limites 
reacende o debate acerca do que é possível de ser mostrado no cinema





Em determinado ponto de Baixio das Bestas (2007), Everardo – personagem de Matheus Nachtergaele – olha para a câmera e afirma cinicamente: “O bom do cinema é que nele a gente pode tudo!”. Dita no filme após uma série de imagens que exploram a degradação da carne e a agressividade aos corpos femininos, a frase não é reflexo apenas da perversidade do personagem, mas é sobretudo assumida como a voz do filme, mais ainda, como o ponto de vista do pernambucano Cláudio Assis como cineasta. É neste momento que fica evidente a afirmação de uma liberdade irrestrita e inconsequente, que extrapola qualquer limite moral no cinema.

No entanto, ao analisar com mais cuidado a mise-en-scène de Baixio das Bestas, não existe uma violência gráfica explícita. Nos momentos de maior agressividade, a câmera evita estar perto: filma-se do alto, sem detalhes, sem a experiência direta do obsceno. A violência está presente, mas existe um distanciamento. Portanto, a encenação não parece repetir ou “comprar” a perversidade dos personagens. Não quer dizer que tal estratégia impede a tortura de quem assiste.

Não é o caso de A Serbian Film - Terror sem Limites, longa de estreia do cineasta sérvio Srdjan Spasojevic. O filme ganhou destaque nas páginas dos principais jornais nacionais, após a proibição de sua exibição no Rio de Janeiro (leia mais em “entenda o caso”). Um filme que passaria despercebido aqui no Brasil acabou favorecido por mais uma interdição – entre tantas outras que aconteceram em outros países - que serve apenas de marketing para a produção.

Nem precisava chegar ao extremo de proibir ou censurar o filme. De fato, as imagens de A Serbian Film explicitam o desprezo pelo ser humano, encurralam os personagens como vítimas do sexo como pulsão de morte, insultam pelo excesso de violência – mais gráfica que real. Há uma necessidade de agressão que jamais é escondida, mas sempre explicitada – se possível em planos próximos, de detalhe. Não existe qualquer compromisso ético com o espectador.

Mais que Cláudio Assis, Spasojevic parece esbravejar o tempo todo que, no cinema, tudo é possível. No enredo, um ator pornô é contratado por um empresário que tem um novo projeto de cinema pornográfico, que aos seus olhos é revolucionário: abusar “do poder real da vítima”. Nesta premissa, há espaço para pedofilia, sadismo, necrofilia, assassinatos... Há, inclusive, uma cena de estupro de um bebê recém-nascido. Os produtores do filme pontuam que a sequência foi feita com bonecos – o que não minimiza o choque das imagens.

Em várias entrevistas à imprensa, o diretor de A Serbian Film insiste na tese de que seu filme tem a intenção de denunciar os horrores que a Guerra dos Bálcãs impôs aos habitantes sérvios. No entanto, não há qualquer indício de denúncia no longa. Pelo contrário, há mera exposição de imagens, sem intenção de resistência ao status quo. É uso banal das imagens que não produzem nada de novo. A Serbian Film não mereceria ser notado, tampouco proibido. Poderia apenas cair no esquecimento.

ENTENDA O CASO

Em 23 de julho, a cópia de A Serbian Film foi retirada da programação do RioFan – Festival de Filmes Fantásticos do Rio de Janeiro, por decisão da Caixa Econômica Federal. O Cineclube Estação Botafogo tentou exibir no dia seguinte, no Odeon, mas foi impedido pelo Partido Democrata (DEM), que exigiu uma liminar junto à 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, que acabou por apreender a cópia do filme.

Diversas associações de críticos e profissionais do audiovisual se posicionaram contra a proibição. Com a repercussão do caso, A Serbian Film foi analisado na consultoria do Ministério da Justiça. O órgão, que até então havia suspendido o processo de classificação etária a pedido da Procuradoria da República em Minas Gerais, decidiu indicar o filme apenas para maiores de 18 anos. Com a conclusão da análise, o longa passa a ter exibição liberada no resto do País.

FILMES PROIBIDOS

Laranja Mecânica
Stanley Kubrick 
Foi proibido na Irlanda, Malásia, Cingapura e Coreia do Sul. Kubrick até pediu para o filme ser retirado dos cinemas da Inglaterra, porque sua família estava sendo ameaçada de morte.
  
O Último Tango em Paris
Bernardo Bertolucci 
Foi censurado na Itália, Espanha, Portugal, Nova Zelândia, Cingapura e Coreia do Sul, por causa da controversa cena da manteiga, que o personagem de Marlon Brando usa como lubrificante na relação sexual com Maria Schneider.

Holocausto Canibal
Ruggero Deodato 
Usa e abusa de canibalismo, escatologia, matança de animais e, por isso, foi banido em países como a Itália, Nova Zelândia, Austrália, Malásia, Noruega, África do Sul, entre outros.

Je Vous Salue Marie
Jean-Luc Godard 
Ao pôr a Virgem Maria como funcionária de posto de gasolina, o filme foi censurado em praticamente toda a América Latina. No Brasil, a Igreja Católica pressionou o governo a suspender o filme, em 1986.

Di Cavalcanti
Glauber Rocha 
Desde 1979, é proibido no Brasil, por causa de um mandado de segurança pedido por Elizabeth Di Cavalcanti, filha do pintor, que alegou que Glauber desrespeitou o funeral de Di Cavalcanti e transformou aquele momento sagrado num Carnaval.
Camila Vieira
camilavieira@opovo.com.br

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