Psiquiatra afirma que o funcionamento de um pedófilo é muito semelhante à de um toxicodependente
Com vista à criação de uma delegação regional da Associação Rede de Cuidadores, mais de 30 pessoas participam neste fim-de-semana numa ação de formação intitulada 'Gestão de Indícios de abuso sexual a crianças e jovens: perspectivas da clínica e da justiça'.
A iniciativa conta com dois formadores, Álvaro Carvalho, psiquiatra e presidente da Associação Rede de Cuidadores, e Alexandre Vieira, advogado e membro fundador da organização.
Além da caracterização do contexto em que são mais frequentes os casos de abuso sexual de crianças, Álvaro Carvalho sublinhou que há um conjunto de características dos pedófilos que não são tão divulgadas. Uma delas é o fato de a maioria dos abusadores ter "um funcionamento que é muito equivalente aos dos toxicodependentes". Isto porque, segundo o psiquiatra, "a apetência para ser abusador não fica anulada nem neutralizada, nem sequer diminuída, quando há, como tem acontecido em Portugal desde o processo 'Casa Pia', muitas notícias e um alerta da população, antes pelo contrário, dá a sensação que quanto maior é a pressão maior é o estímulo para tentar alcançar esse objetivo secreto". Outra refere-se ao denominado 'síndrome do segredo', ou seja, a existência de um "conjunto de comportamentos que levam a que todos os intervenientes procurem guardar segredo destas situações".
Álvaro Carvalho salienta que, de acordo com as estatísticas, a maior parte das situações de abuso são verificadas no contexto familiar, sendo, na grande maioria dos casos, os abusadores familiares diretos.
Por seu lado, Alexandre Vieira salienta que, em tese, o sistema judicial português é suficientemente protetor das vítimas de abuso sexual, o que, por vezes não se reflete na prática. Ainda assim, considera que existe um antes e um pós 'Casa Pia', uma vez que o processo veio dar uma maior visibilidade e levou a diferentes atuações relativamente a este tipo de crimes. Contudo, são sempre situações de difícil prova. "A prova muitas vezes é tênue e o processo, em vez de ser uma salvaguarda e efetivação de justiça, torna-se duplamente penoso para vítima", disse. Além da dificuldade na obtenção de prova, conforme salienta o advogado, "o processo e o tempo do processo torna-se como a segunda sevícia após o abuso reiterado". "Após o abuso, o processo, muitas vezes, é um segundo abuso", disse.
Em muitos casos, o agressor acaba por sair em liberdade e mesmo nas situações em que há condenação coloca-se sempre a questão de como prevenir novos abusos após o cumprimento da pena.
Alexandre Vieira salienta que na Bélgica uma das soluções foi recorrer à castração química, uma medida para a qual, salienta, a sociedade portuguesa ainda não está preparada. "As normas penais resultam de uma decisão política e a decisão política resulta da vontade do povo", afirmou, acrescentando que "o povo não tem manifestado um interesse assim tão grande na resolução desses problemas porque as pessoas pensam sempre que isso vai passar nas casas dos outros".
Outra medida defendida por Alexandre Vieira e já aplicada nalguns países é a do registro público, nos casos de pedofilia comprovada, em que qualquer pessoa pode aceder a uma lista, disponível na Internet, e ficar a saber ser há pedófilos na vizinhança.
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